Um dia conto.
Agradeço por tudo e por aquilo que ainda virá. Obrigado, avô. Obrigado, avó. Obrigado, tia. Obrigado pela defesa em momentos de aperto, obrigado pelos apertos de preocupação, sufocantes mas quentes. Obrigado pela presença, ainda que exagerada. Mas sabem, nem tudo pode ser agradecimentos. Lamento, mas é verdade. O vosso entusiasmo tornou-vos pedra. Aliás, o vosso entusiasmo resultou na minha insuficiência. Poucos lados são suficientes sem ti, avô. Poucas refeições são suficientes sem ti, avó. Poucos mimos são suficientes sem ti, tia.
A verdade é esta. Tornei-me num homem-menino, tão dependente de vocês como sempre fui, tão sem chama como sempre aparentei ser. Bem sei que a culpa não é toda vossa. Bem sei que assumiram, talvez com pouca contrariedade, papéis que não são os vossos. Mas também sei que não tenho força. Força para largar e fazer descansar, força para assumir sentimentos inoportunos e indesejados pelos três. Bem sei que foram educados de outra forma, que a sociedade actual é bem diferente. Mas não foi capaz de vos preparar para isto, para o desgosto por vós fabricado e sentido e que não poucas vezes vos ouvi reclamar. Sim, sou distinto. Sim, sou diferente nos sentimentos. E sim, não tenho coragem para vos contar. Assumir perante os três seria mais difícil do que revelar ao país inteiro. Abrir-me perante os três seria difícil para os quatro. Mas será, precisa acontecer. Um dia. Preciso desse dia, porque preciso da felicidade aberta, composta de mundo, natureza e pessoas. Um dia difícil mas necessário. Um dia em que serei neto digno de orgulho. Penso eu. Mas não tenho certeza. Nunca tive muitas, não é novidade. Olhem para mim nesse dia. Continuarei a ser alguém, o vosso neto de sempre, mas mais completo, mais feliz, menos cheio de segredos.
Um dia vou contar.