silhouette of man looking star during sunset

Solidão

Somos grãos de poeira e um punhado de nada e muito menos de coisa nenhuma. Existimos e ficamos invisíveis, desaparecemos como se as borboletas fossem as únicas vidas no planeta.

Quem somos? Uns meros átomos que se unem com ligações sólidas, mas, num ápice e sem o leve pio ou som, igualmente se fragmentam para deixarem de existir. E tudo desaparece.

Vem-me à baila a vida e sobretudo a morte de um ícone do cinema, Gene Hackman, um ser humano que tanto deu ao mundo e que teve um final miserável, sem glamour, sem holofote e nem um pouco de purpurina.

Gene vivia com a sua segunda esposa, pessoa de vida bem recatada apesar de ser pianista clássica. Veio agora a descobrir-se, da pior forma, que era a sua cuidadora. Tristemente, ela é que foi a primeira vítima do carrasco fatal.

O actor tinha 95 anos e sofria de Alzheimer em estado avançado. Confesso que esta doença me assusta imenso e tento encontrar algumas técnicas para a afugentar. Desconheço o que o destino me possa reservar. A seu tempo virá.

A mulher morreu subitamente, quando ia tomar a medicação. Sofria de um vírus raro e foi essa entidade estranha que a vitimou. Um absurdo de injusto, num tempo de tecnologia e rapidez. Como foi possível tal acontecer?

Segue-se a morte de um cão, provavelmente a necessitar de cuidados pois tinha vindo de uma visita ao veterinário. Na verdade, o infeliz bicho morreu por não ter ninguém que o alimentasse. Uma profunda dor de alma pois sabia-se que era bem estimado.

Contudo, o pior estava para vir. Gene, um ser quase apagado, deambulou pela casa durante uns terríveis sete dias. A mulher tinha morrido e não lhe podia dar assistência devida. O mais provável é que não tenha percebido o que se passava.

E assim se esgotam vidas sem que se dê por isso. Certamente que teve fome e sede, sentiu frio e sono, mas a sua mente não o ajudou e foi o coração que terminou com o suplício.

Como é possível que se seja tão invisível? O estranho é não haver quem lhes desse apoio, alguém que fosse à casa ou um simples e mero contacto telefónico. Nada. Um vazio cheio de invisibilidade.

Somos nós, os humanos que se desumanizam e se tornam tão selvagens que se esquecem de sentir. Onde pára a sensibilidade? Que é feito da empatia? Que cenário macabro!

Esta é a prova de que estamos sós, muito sós, tão sós, sem quem nos possa acudir numa aflição, no momento em que se sente o chão a fugir, os pés a se enterrarem na areia movediça e a garganta a fechar.

Há quem inveje as estrelas de cinema, muitos que gostavam de ter a sua vida faustosa, mas o certo é que estes são ainda mais solitários que o vulgar e comum anónimo. Vivem na mente alheia, num patamar que nem existe.

De que serviu a esta gente o estatuto? A reles ceifeira levou-os sem pena nem agravo. Aliás, foi muito fácil pois estas presas estavam tão vulneráveis que não ofereceram resistência.

Quem nos dará a mão num momento de dor?

O que acontecerá se eu precisar que me empurrem a cadeira de rodas ou me cheguem a comida à boca? Não estamos todos a sofrer deste mal da sociedade actual, o desinteresse?

Sem fatalismo nem dramatismo piegas, há que se ser realista, mas uma coisa certa, o futuro avizinha-se estranho, complexo e escuro. A luz da esperança parece ter-se gasto há muito.

Quem cuida dos cuidadores? Quem lhes dá um ombro para apoiar? Eles são o outro lado da solidão, um mundo fechado entre as várias paredes que parecem não ter comunicação.

Ao fundo soam gritos mudos, chamadas de atenção, mas ninguém ouve. A surdez atacou todos. As redes sociais são tristes traumas de vidas ocas e fechadas. Todos querem ser os melhores, os grandes, os gurus. Querem ser amados, mas o amor já nem se usa.

Emoções e sentimentos caíram em desuso. O sentir é perigoso e pode reacender o lado que se tenta abafar, o humano. O amor é piegas e muitos desconhecem tal estar. O egoísmo é a capa destes pobres. Que miséria psicológica.

Estamos todos sós, fechados em caixas muito bizarras, mas que são tecnológicas. Temos de tudo e afinal não temos nada. Estamos vazios e irremediavelmente perdidos. A solidão é o comando dos tempos de agora. A morte chegou de fininho…

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