A solidão tornou-se a epidemia deste século.
Recentemente, a morte trágica de Gene Hackman e da sua esposa foi uma chamada de atenção para diversas questões relativamente à solidão dos idosos: o que morre primeiro: o homem ou o mundo ao seu redor? Qual a verdadeira morte: a do último suspiro ou a do instante em que já ninguém sente a tua falta?
É inevitável que todos estaremos sozinhos no encontro com o nosso destino fatal.
Gene Hackman morreu sem ter ninguém para lhe perguntar se tinha sede, se tinha fome.
A solidão não chega de repente. Constrói-se aos poucos. Quando já ninguém telefona, ninguém bate à porta para saber como estás. E foi essa estrela, outrora protagonista de heróis poderosos, que deambulou pela casa durante vários dias, entregue a si próprio, esquecido de si e dos outros.
A fama, de facto, é um engano que o tempo desfaz. De que vale a celebridade quando se está doente e só; se tem noventa e cinco anos e as memórias mortas dentro de si?
Confunde-se a riqueza e o estrelato com heroicidade e imortalidade e overdose de abundância e independência.
A doença de Alzheimer alastra vertiginosamente, não escolhe vítimas e com ela chega o vazio dos dias. A velhice é um país estranho e inóspito. Ninguém quer visitá-lo sem garantias e medidas de segurança. Poucos ousam pensar no que acontecerá quando os dias se tornarem longos demais e as noites silenciosas em excesso. Raros são os que tomam decisões conscientes para que a vida não se dissolva quando não houver mais reuniões, estreias, jantares com amigos, idas ao cinema.
No caso deste ator e esposa, cujos corpos foram encontrados sem vida após vários dias do seu falecimento, podem retirar-se várias lições. Tanto o cuidador (neste caso a esposa, muito mais nova), como o paciente que sofria de Alzheimer, viviam completamente isolados, dependentes apenas de si próprios. Ninguém soube da doença e morte repentinas da cuidadora. Restou um corpo vivente do seu marido andando pela casa completamente perdido, sem compreender e sem conseguir pedir ajuda.
Só quem lida com esta doença sabe o que significa o drama e a solidão profunda do cuidador e da pessoa cuidada, a qual não tem verdadeira noção da sua existência, a maior parte das vezes.
Neste caso trágico, como em tantos outros, a imagem do idoso nos seus últimos minutos numa casa vazia é profundamente avassaladora.
A vida é uma passagem muito frágil, vulnerável e fugaz.
Nem mesmo pessoas famosas e poderosas como Gene Hackman são isentas a estas idiossincrasias. Não devemos descurar este flagelo.
Assusta esta solidão dos que vivem muito tempo.
Em suma, ficam estas reflexões: a morte é uma estrada sem testemunhas; a fama uma ilusão que se desfaz no tempo; o sucesso um eco que não é ripostado; devem-se considerar vários cenários para a velhice e fazer escolhas, pois a vida é imprevisível e muda a cada instante. Ela surpreende-nos a cada esquina com a sua bagagem a transbordar de imprevistos.
Afinal, o lar pode ser um lugar escuro, sem luz, quando ninguém nos bate à porta.
(Este texto foi escrito segundo as regras do Novo Acordo Ortográfico)
Boa reflexão sobre a morte e efemeridade do que acontece na vida seja bom ou mau. A fama e o dinheiro nada valem na hora de partir.
Obrigada.