Sobre a informação e entretenimento (parte III de III)

Continuação de “Sobre a informação e entretenimento (parte II de III)”

Donald Trump e Donald Trump enquanto presidente dos Estados Unidos da América mudaram o rumo da comédia no panorama nacional (americano) e internacional. Um resumo desta mudança é feito no vídeo This is comedy in the age of Trump, publicado no Youtube pelo canal VICE News (2018), com cinco comediantes a discutirem o referido assunto entre si. A comediante Judy Gold insiste que a sua rotina enquanto comediante no ato de Stand Up mudou na abordagem das primeiras piadas. Agora abre logo com comentários sobre Trump, pois ele é o “elefante na sala, antes era o idiota na fila da frente”. Refere ainda existirem agora “pessoas de Trump”.

O comediante Jordan Carlos interfere para dizer que, se num espetáculo de Stand Up, começar por fazer piadas sobre Obama e só depois passar para Trump, o público aceita melhor. Os apoiantes de Trump sensíveis a piadas sobre ele são bastante falados. É mostrado até um vídeo de um apoiante a cantar o hino nacional, mas recusa-se a ajoelhar apenas por não querer, nem gostar. Uma das conclusões do vídeo vem novamente de Judy Gold que, em tom de citar uma piada usada por si, diz que os “judeus americanos agora querem voltar para a Alemanha”.

Trump vem do mundo dos negócios e também do entretenimento, por isso o seu estilo de discurso é um híbrido entre política e comédia, de acordo com Hall, Goldstein e Ingram no artigo “The hands of Donald Trump: Entertainment, gesture, spectacle” (2016). As suas “palavras, gestos, repetições e estilo interativo ligam as suas rotinas às rotinas de comédia, se fossem também rudes e indecentes”(2016, p.77), até porque os seus elementos de assinatura do discurso relembram comediantes dos anos 1960 e 1970 como “Bruce, George Carlin, Carl Reiner, Mel Brooks, e Richard Pryor, todos reconhecidos como génios cómicos que empregavam linguagens e assuntos tabu para criar comédia”. Por exemplo, usar a palavra pénis (mas noutras línguas) e afirmar que se pudesse dizer algo a Obama, seria “Estás Despedido!”, impulsionando o seu dedo indicador para a frente em forma de pistola. O gesto de pistola de Trump é uma manobra de espetáculo, que pretende impressionar, é “flashy” (2016, p. 80), enquanto que outros gestos políticos são pragmáticos e têm vertente didática. Quando no seu programa The Apprentice, Trump fazia tal gestos para despedir alguém, mostrava “arrogância, poder soberano, e força de comando” (2016,p-80). Para quem o apoia, “os gestos sugerem um homem que é espontâneo e real (…). Para oponentes, os gestos de Trump sugerem um homem que é vulgar” (2016, p. 83).

Para resumir todo o espetáculo e semiótica (nesse espetáculo) de Trump, um parágrafo do artigo é idealmente citado: “o material de Trump é baseado numa forte projeção de imagem (Make America Great, Again; Be a winner), gestos de comédia (promulgações miméticas, expressões faciais teatrais, revirar de olhos, encolher de ombros), sarcasmo (yeah, right), repetição de rotinas de comédia (aviões a voar por cima de comícios de campanha usados como adereços para brincar sobre concorrentes militares), postura adversa (exatidão antipolítica), rituais ensaiados de masculinidade e feminidade (…) e o bullying de oponentes (Olha para aquela cara; Jeb é um tipo aborrecido, basicamente um falhado)” (2016, p. 81). Trump também inseriu no seu discurso o tipo de ridicularização e divisão presente em concursos de beleza. A própria imagem de Trump pré-política traz consigo uma grande bagagem de elementos analisados como “espetáculo no capitalismo contemporâneo: hipérbole, casino, capitalismo, branding, imitação, nostalgia, mediatização, excesso, consumo e vacuidade” (2016, p.91).

Concluindo, foi necessário percorrer um longo caminho teórico e prático para perceber qual o tipo de influência que os talk shows podem fazer crer sobre a situação política. Neste caso, a situação política americana, com o Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos da América. Foi afirmativo por parte do estudo de Kwak e Wang (2004) que já existia noção e provas empíricas de uma influência por parte dos talk shows noturnos de comédia nas mentes de adultos mais jovens.

Nesse estudo provou-se que até a figura em si do apresentador pode levar a uma influência das suas opiniões (mesmo que tenha intenção de entreter ou criticar construtivamente) esses tipos de programas passam a ser a primeira fonte de informação. Mas será que isto acontece, por a própria política ser um espetáculo e por cada vez mais se intensificar nesse sentido? Afinal, temos com pessoas como Donald Trump nos Estados Unidos e casos dramáticos de corrupção e interrogatórios tornados públicos em Portugal.

O público reage muito bem às situações cómicas que tornam Trump numa caricatura. No início de uma piada, reagem com interesse na factualidade (introdução de algo real). Quando se chega à punchline, e se mistura factualidade com espetáculo, o público ri e/ou aplaude, consoante a surpresa e qualidade da punchline. Existe assim uma divisão/diferença entre a receção cognitiva dos factos e o desenvolvimento até à punchline.

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