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Simba vs Kimba

“O Rei Leão” de 1994 é, sem sombra de dúvida, o meu filme preferido de sempre e dúvido que alguma vez venha a existir outro que lhe venha tirar o lugar. Porém com a estreia do mais recente live-action Disney (que está incrível!), houve uma controvérsia antiga que voltou, qual fantasma do passado, para assombrar e gerar, uma vez mais, polémica. Nomeadamente o caso Simba vs Kimba, ou como gosto de chamar “a mentira mais descarada da Disney”.

Viajemos no tempo até aos anos 40. Walt Disney, estreando-se com a primeira longa metragem de animação “Branca de Neve e os Sete Anões” em 1937, lançava agora sucesso atrás de sucesso com filmes que rapidamente se tornavam clássicos, tais como “Pinóquio” (1940), Fantasia (1940), “Dumbo” (1941) e “Bambi” (1942). Era uma nova era no mundo da animação americano. Do outro lado do mundo, um jovem cartoonista chamado Osamu Tezuka, apaixonava-se pelo mundo mágico da Disney, especialmente por “Bambi”, filme que, segundo o próprio, teria revisto mais de 80 vezes. Tezuka deu asas a uma revolução nunca antes vista, no que daria origem à cultura mais proeminente do Japão dos tempos modernos. Osamu Tezuka é ainda hoje referido como o “pai do manga moderno”. Talvez o conheçam por “Astro Boy” (1963), a primeira série animada exibida no Japão (ainda em preto e branco), que constituiu o ponto de viragem com que o artista tanto sonhara. Dando o arranque à indústria japonesa de animação que é hoje adorada nos quatro cantos do planeta. 

Apesar de mais conhecido pelas aventuras do rapaz robot criado por um cientista a quem o filho tinha morrido num acidente, Tezuka foi autor de vários mangas e animes de sucesso. Entre eles a história de Leo (traduzido fora do Japão como “Kimba”), um pequeno leão branco órfão que, depois de muitas peripécias e aventuras, volta ao reino onde nasceu e reclama o trono do seu falecido pai, usurpado por um leão malvado e tirano com uma cicatriz no olho… Aquando do lançamento do filme em 1994, muitos foram os que, principalmente no Japão, notaram a “curiosa” similaridade com o manga que por aquela altura contava já com mais de quarenta anos desde a sua criação. Quando confrontada com a situação, a resposta da Disney foi ela também muito “curiosa”. Negando por completo qualquer relação com a obra de Osamu Tezuka, foram ainda mais longe afirmando que nunca tinham ouvido falar sequer de Kimba. “Curioso” porque o próprio Walt Disney conheceu pessoalmente Tezuka e terá até encomendado uma versão manga de Bambi ao artista japonês. 

Quando em 1997 foi lançada a longa-metragem japonesa “Jungle Emperor Leo”, baseada na segunda série animada da história de Leo (ou Kimba), o leão branco, mais uma vez a Disney meteu os pés pelas mãos e tentou impedir o filme de sair à luz, porque consideravam ser plágio do “Rei Leão”. Ambos os filmes terão começado a pré-produção em 1988, mas com a morte de Tezuka em 1989, o estúdio terá levado muito mais tempo a terminar o filme. Para além do facto de que os dois filmes não têm o mesmo enredo. Já o filme Disney possuía demasiadas parecenças com o primeira série do anime da década de 60 (várias versões com muitas ramificações da mesma história foram sendo lançadas ao longo dos anos). Senão vejamos: pai rei morto? Check! Babuíno sábio e conselheiro? Check! Pássaro sidekick? Check! Leão tirano que rouba o trono, com a ajuda de hienas malvadas, que por acaso tem uma cicatriz no olho? Double check! Já para não falar de algumas cenas parecerem uma autêntica cópia da versão japonesa: a “pride rock” de onde o rei guarda o reino, os planos do sol vermelho a descender sob a savana, imponentes nuvens que rasgam o céu e formam a silhueta do pai de Kimba… Podia continuar e continuar, mas suponho que já ficaram com uma boa ideia do escândalo que se montou na altura. Claro que nos estados unidos a história mal chegou aos meios de comunicação e foi essencialmente no Japão que se instalou uma indignação geral.

Tezuka era (e ainda o é!) considerado como um ícone da cultura japonesa. Hoje em dia ainda se pode encontrar, principalmente na sua terra natal de Osaka, a marca que deixou para trás com o seu leão branco e o seu rapaz robot. Ações legais ainda tentaram que pelo menos o nome de Tezuka fosse associado ao Rei Leão, como uma dedicatória a este homem tão acarinhado pelos seus conterrâneos, mas isso nunca aconteceu. A Disney até ao dia de hoje continua a recusar qualquer relação com o manga japonês. Porquê? Se tivesse de adivinhar diria que porque o Rei Leão foi fortemente publicitado como o primeiro filme completamente original Disney, ao contrário de filmes na mesma altura, como “A Pequena Sereia” (1989), “A Bela e o Monstro” (1991) ou “Aladino” (1992) que seguiam o padrão típico da empresa de adaptar contos e fábulas já existentes.

Continua “O Rei Leão” a ser o meu filme preferido de sempre? Absolutamente. Gosto da Disney? Não. É possível venerar a obra e desprezar o criador? Claro! Mas a questão aqui não é essa. O que realmente importa é que uma parte importante do legado de Osamu Tezuka será sempre associado a este tópico controverso, o que é lamentável. Leo, o leão branco é um tesouro da cultura moderna japonesa e chega a pertencer a um universo muito mais rico e complexo (até por vezes macabro pelo realismo das emoções retratadas) do que a versão Disney. Temas como confronto entre o Homem e o mundo animal. A noção do bem e do mal. 

Um bom exemplo do complexo que chega a ser é quando Panja (ou Cesar na tradução), pai de Leo, trava amizade com um humano depois deste salvar todos os animais de uma doença derivada da desflorestação intensiva. Juntos empreendem uma longa jornada até ao topo da mais alta montanha para evitar que um malvado caçador furtivo roube uma pedra preciosa que é essencial no balanço do ecossistema. Pelo caminho conhecem a Mãe Natureza, uma mamute gigantesca que guarda a montanha. Conseguem evitar que o mau da fita atinja o seu objectivo, mas acabam por se perder no meio da neve cerrada, esfomeados e sem forças. Panja decide então sacrificar-se pelo amigo humano, já que vê neste uma esperança para um futuro em que Homem e Besta viverão em harmonia. Graças à carne e à pele do leão, o humano consegue voltar são e salvo e devolve solenemente as peles ao filho de Panja, Leo, em agradecimento.

Espero que, os que começaram a ler este artigo em busca de controvérsia (confesso que adoro uma boa teoria da conspiração como qualquer outro mortal), levem daqui algo mais. Talvez a curiosidade de saber mais sobre este manga japonês. Não aconselho a versão dobrada a inglês do anime de 1965, as vozes estão francamente muito más e não fazem justiça ao que foi a primeira animação a cores da televisão japonesa. Recomendo que comecem com o mais recente filme “Jungle Emperor Leo” de 2009. Preparem uma caixinha de lenços e a partir daí comecem a recuar no tempo e aprendam mais e mais sobre este universo de Leo e os seus companheiros. 

Yoi tabi o! (traduzido do japonês, “Boa Viagem!”)

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