Põe quanto és no mínimo que fazes, é assim que Fernando Pessoa, pela mão do seu heterónimo Ricardo Reis, nos deixou um apelo para a inteireza das nossas acções. Pois só assim é que conseguimos ser quem realmente somos. E só assim somos todo nas coisas que fazemos. Este pensamento é, a meu ver, uma espécie de grilo falante, aquele companheiro sábio que nos deve acompanhar nos agoras da vida, mas que muitas vezes é ignorado…
Ser pleno naquilo que fazemos é transformar as coisas em causas. Seja lá o que for e no que for, não importa. O importante é a dedicação, a entrega e o brio na composição das melodias da vida. As melodias que nos definem e dão graça a tudo isto. Porém, nem sempre é assim, e até penso que será impossível fazê-lo sempre, porque as circunstâncias da vida, por vezes, obrigam-nos a ficar pela rama, por metade, pela pressa de fazer sem ser, pelo supérfluo, fazendo com que nos protejamos numa concha que apenas se vai abrindo consoante as marés. O problema é que quanto mais fechamos a concha mais difícil se torna sermos por inteiro. E o que é de nós se abafarmos a voz do grilo falante pelo ruído do “faz-de-conta” e do “parece mal”?
Por isso, considero que é essencial regressar à terra de vez em quando. No fundo, à nossa essência. Para uma pausa, para balanço, para reabastecer, para preparar a estrutura do nosso barco e reavivar as suas cores. Acima de tudo, para reescrever o nosso nome, o nome daquilo que na verdade somos. Para preparar a nossa embarcação… Após este exercício, parece-me que fica mais fácil rumar e remar nos mares da vida e enfrentar os naufrágios que se atravessam no nosso caminho.
O segredo, que não é segredo nenhum, está na entrega. E esta entrega, a nós mesmos, às coisas e aos outros, é nada mais do que aquela grandeza e inteireza de que Fernando Pessoa falava, porque nada nosso exagera ou exclui. Pois, se formos a melhor versão de nós mesmos, atingimos o todo, o nosso todo, que é o que verdadeiramente somos. Ser natural, no fundo é isto.
É quando transformamos as coisas em causas que uma canoa pode ser um navio, que rasga o mar alto rumo à ilha que somos. Pois, não importa o quão grandes somos em altura, mas sim a grandeza da nossa essência, da nossa entrega, que é nada mais do que o amor, aquela coisa onde tudo cabe, de onde tudo sai e para onde todos queremos ir e ser.
E é assim que entendo serem as causas das coisas. Parece simples, mas o simples quase sempre é o mais complicado, mas não deixa de ser desafiante…
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta viveRicardo Reis