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Sem manual de instruções

“Luísa! Luísa, tenho de ir à minha tia.”

Acendi a luz. Ela levantou a cabeça imediatamente, os olhos remelosos e uma expressão confusa.

“O quê?”

Eu vestia as calças tão rapidamente quanto as minhas mãos trémulas o permitiam. Ela sentou-se na cama, meio zonza, sem saber o que fazer.

“Tenho de ir à aldeia. Vou passar pelo hospital e explicar ao chefe, vou tirar umas semanas de férias.”

Peguei em alguma roupa do armário e coloquei em cima da cama, junto dela. Procurei a minha mochila.

“Mas… está tudo bem? Eu vou contigo!”

“Não, eu… Sim, está tudo bem, mas não precisas de vir…”

Como explicar a uma mulher que eu tinha que fazer isto sozinho, sem que ela entendesse tudo mal e se desse uma guerra mundial?

“É algo que tenho de resolver sozinho. A minha tia pediu e…” finalizei com um trejeito de ombros e de mãos, com uma expressão de ‘compreendes, não compreendes?’

Sim, a melhor desculpa: a minha tia pediu. A minha tia idosa e fofinha, que a adorava, tinha pedido este pequeno favor. Senti-me orgulhoso de como tinha conseguido safar-me.

Mas não. A vitória era só uma miragem no deserto, uma ilusão de criança.

A Luísa ficou surpreendida. De repente, vi as engrenagens da mente dela a rodarem, devagar, enquanto a expressão mudava para a indignação, a ficarem quentes, vermelhas, raiva nos olhos, incompreensão, fumo.

“A tua tia não gosta de mim?”

A pergunta fatal. Na minha mente rolei os olhos, mas fisicamente os meus olhos ficaram só a olhar para ela, a consolá-la.

“Não tem a ver com isso…” comecei.

Então?”

Não ia lutar mais. Não costumo ser cobarde, e quando me sei com razão, defendo-me até ao fim. Mas qualquer homem sabe que uma guerra com uma mulher está praticamente perdida, a não ser que os argumentos sejam mesmo muito fortes, ou que estejamos dispostos a dormir no sofá, em greve de fome, de sexo, ou outros castigos.

“Okay, podes vir. Vamos os dois.”

“Não, para ser mal recebida prefiro não ir.”

Oh, não.

Olhei para o relógio. Tanto drama e ainda nem era hora do almoço.

“Se tens pressa, vai” soltou ela, quase a gritar. Quase a espumar-se de indignação.

“Não vais ser mal recebida, Luísa. Mas decide-te, tenho de ir.”

De repente, o chip mudou. Sem nenhum aviso, sem mais discussões, sem amuos. Como se tudo nela tivesse percebido tudo o que ia na minha mente. Como se nunca tivéssemos tido aquela discussão ridícula. A cara mudou e ela decidiu-se:

“Vou contigo” disse, saltando da cama.

Com uma rapidez que eu nunca lhe tinha visto, vestiu-se e penteou-se. Pegou numa mochila de campismo e escolheu roupa diversa do armário. T-shirts, roupa interior, casacos, calções. Sorriu-me, alegre. Eu também guardei toda a roupa na minha mochila. Sorri-lhe, confuso.

A luta tinha acabado? Alguém tinha ganho? O que se tinha passado?

Fiquei a nadar na velha questão. As mulheres são incompreensíveis.

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