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Selma

Não estou interessada em heróis brancos”, afirmou a realizadora Ava DuVernay, durante a promoção de Selma, a sua última e mediática obra, que aborda os eventos realizados na homónima cidade do estado de Alabama, em 1965, quando o pastor e activista Martin Luther King sensibilizou uma população a marchar ao seu lado pela luta pela igualdade do direito de voto entre negros e brancos. Com esta citação, conseguimos perceber que as intenções da mesma não foram o de focar personagens caucasianas, aqui generalizadas em caricaturas, mas sim dar “voz” a uma “minoria” marginalizada na produção cinematográfica norte-americana. Porém, protagonistas de um dos capítulos mais marcantes da História dos Estados Unidos da América em pleno século XX.

Mesmo assim, uma pertinente questão reside: esse desprezo na intensidade de tais personagens não será visto como uma “vingança” algo pessoal para com a falta de solidez de personagens negras na grande indústria, ou até como resposta à generalização comunitária que essa etnia é retratada na mesma via cinematográfica? Nesse aspecto, será Ava DuVernay uma cineasta militante como Spike Lee? Conforme seja a leitura acerca deste trabalho, uma coisa é certa, a estreia de Selma, nos EUA, colidiu com as turbulentas manifestações e indignação para com o caso Michael Brown, em Ferguson (Missouri), no qual a descriminação racial voltou a ser palco mediático em todo o Mundo. Atribuindo assim um hype sensibilizado em torno desta obra, ou sob uma perspectiva relevante, o de relembrar dos actos que converteram em vitórias sociais, nestes termos como é tão saudável aprender com o activismo “não-violento” de Luther King.

Em Selma, Coretta, a mulher de Martin Luther KIng, tem um papel relevante no dever do activista.
Em Selma, Coretta, a mulher de Martin Luther King, tem um papel relevante no dever do activista.

Contudo, enquanto cinema, Selma é uma obra de cariz académico, uma biografia padronizada aos lugares-comuns do seu género, sendo que o mais desconcertante é o facto de ser uma produção com cunha de Oprah Winfrey (para além de um pequeno e pouco relevante papel), como sucedera, por exemplo, com The Butler (O Mordomo), o estilismo do “moral high ground” e a pedagogia esquemática prejudica qualquer densidade emocional, como também o concentra em raízes meramente evangelistas. Spike Lee centrou numa outra vertente deste embate de direitos com Malcolm X, a chamada “alternativa” a Luther King, que resultou num trabalho mais arriscado, ideológico e menos industrializado.

Embora mesmo sob a formalização do chamado “filme de estúdio”, Selma reserva-nos boas intenções de produção e dos seus envolvidos, nomeadamente o forte desempenho de David Oyelowo, que já havia trabalhado com a realizadora em Middle of Nowhere (2012). O actor britânico, que fora fortemente criticado após ter sido escolha para o papel, tem o trunfo de humanizar um Martin Luther King nobre, devoto à sua causa e sapiente nas suas acções, ao invés de limitar-se à mera mimetização. Como seu alicerce, encontramos a actriz Carmen Ejogo no papel de a sua mulher, Coretta Scott King, servida como um ponto estratégico de alargamento do enredo de Selma.

1965, o ano da mudança, os ecos dessa data ainda ecoam na nossa realidade.
1965, o ano da mudança, os ecos dessa data ainda ecoam na nossa realidade.

Todavia, o efeito não é voraz como se adivinhava, não por culpa da actriz, mas pelo argumento que parece contrair uma tendência de martirologia de panfleto, ao mesmo tempo que tece uma fina teia de conspiração. Neste factor, basta apenas evidenciar a narrativa, composta sob constantes interveniências por citações dos relatórios do FBI, durante o seu processo de rastreamento aos movimentos de Luther King. Para reforçar essa ideia de conspiração, temos ainda a entrada do personagem J. Edgar Hoover (Dylan Baker), o director do FBI, aqui servido como uma caricatura, cuja presença apenas robustece as conflituosas relações do activista para com o presidente dos EUA, Lyndon Johnson (Tom Wilkinson), o homem que mais tarde aprovaria uma lei de igualdade de direitos de voto. Aliás, voltando a mencionar o ponto inicial, Ava DuVernay havia dito “não me encontro interessada em heróis brancos”, por isso, não esperem o contrário.

Em suma, Selma é uma obra esquemática, tecnicamente irrepreensível, que tenta ser esforçadamente um produto de prestígio, principalmente sob o calor e influência da “Award Season“. Enfim, o resultado está à vista, mas encontra-se verdadeiramente longe dos sonhos do próprio Martin Luther King Jr.

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