Há coisas nas quais eu acredito muito e eu acredito muito que andamos de costas voltadas para o amor. Já não sabemos amar e nem queremos amar. Amar de verdade não dá jeito. Não é conveniente e tira as pessoas do sério e à séria. Amar de verdade implica riscos que não estamos dispostos a assumir ou tomar. Amar de verdade implica olhar para a pessoa e não a julgar e amar só porque ela é o que é.
Amar de verdade, um amigo, um namorado, um marido, uma mulher, dá uma trabalheira desgraçada. Dá trabalho a estar sempre com aquela pessoa, independentemente do que aconteça. Amar de verdade implica sonhar em conjunto, pensar em conjunto, ser feliz em conjunto e mesmo infeliz em conjunto, mas saberem que vai ficar tudo bem algures no caminho.
Nesta trabalheira desgraçada que é o amor, abandonam-se pessoas, porque são “tóxicas”. No imediatismo da desgraceira de amar por conveniência, não queremos perto pessoas que estão mal, com problemas, porque não dão jeito e não as queremos. Pessoas que até já deram jeito de alguma forma e por isso as conhecemos e por isso estão na nossa vida.
No imediatismo de estarmos bem, ignoramos quem nos ama e está numa fase menos boa.
Somos profundamente epicuristas e por isso estamos sempre na aproximação ao prazer e afastamo-nos da dor. Não dá jeito a dor, não agora, nem a minha, nem a tua. Fica para outro dia, não posso jantar e também não posso tomar café, acho que tenho de lavar a cabeça ou passear o cão (joga o Benfica também).
Pelo caminho, vamos perdendo humanidade.
Aonde se perde a humanidade? Aonde perdeste a tua humanidade?
Publicam-se artigos a dizer para as pessoas fugirem de pessoas tóxicas, para não se aproximarem de pessoas tóxicas e para não conviverem com pessoas tóxicas. Os psicólogos e outros técnicos de saúde dizem-lhe: “pelo amor de Deus, fuja de pessoas tóxicas para o bem da sua saúde” (dizem isto em artigos de revistas famosas, na TV e para quem quer ouvir). Mete-se um rótulo na pessoa que fica para o resto da vida: ÉS TÓXICA. Fala-se com outras pessoas e multiplica-se o conceito (o multiplicador inscrito na coscuvilhice é profundamente notório e funcional e realmente multiplica). Contam-se mentiras (inverdades, se quiserem) e como ninguém questiona a mentira e toda a gente gosta de saber os contornos da mentira, o storytelling vence a necessidade de amor ou de afeto.
O amor verdadeiro, ao amigo ao amor, fechou o tasco e mudou-se para Marte e está seguro lá. Está sem ar, mas está seguro.
Na terra, continuaremos nesta vidinha de conveniência e atrás do homem da nossa vida (mas tem de ser rico!), ou da mulher da nossa vida (mas tem de ser bonita!) só porque se necessita de aceitação social e claro de viver, não é?
Para as pessoas que me estão a ler e a pensar “não sou nada assim”, deixo outra pergunta então: quando é que foi a última vez que teve uma expectativa (sua, claro) sobre um amigo ou um amor? Quando foi a última vez que saiu profundamente dececionado/a de uma relação de amizade ou de amor porque a outra pessoa fez isto ou aquilo ou não fez isto ou aquilo? Pois é… Aí tem a sua resposta. As expectativas, essas cabras, são só nossas e de mais ninguém. E são nossas na medida do que conhecemos e do que acreditamos e as outras pessoas podem não conhecer e não acreditar…
Pode também contestar o que digo e pensar que as coisas não são assim. Aceito e é legítimo. No entanto, 42 anos de profunda observação do ser humano e uns diplomas na parede (tirados com gosto, estudo e motivação) permitem-se escrever estas coisas.
Aliás, dou-me à ousadia até de escrever mais:
Escolha pessoas tóxicas para suas amigas. Invista em pessoas tóxicas. Ame pessoas tóxicas. Só porque é no momento em que estão tóxicas que verdadeiramente necessitam de si. É quando não percebem sequer que estão tóxicas que precisam de si.
Ser epicurista é bom, mas seja amor. O amor dura para sempre e o prazer não.
Dedico este artigo à minha amiga Vânia. Ela sabe…
Olá! Texto muito bom! Dos melhores que tenho lido ultimamente! Simples mas bom demonstrador de que o verdadeiro AMOR, nos dias que correm, está a perder seguidores para o amor que se pratica neste novo mundo das redes socias, nesta panóplia de cardápios onde se escolhem os amigos , amores , tendo em conta o seu poder de influenciar, o seu património em número de likes e seguidores, etc. Revi-me um pouco no texto , porque eu próprio fui recentemente julgado de “TÓXICO “ apenas e só , por ser intenso, por gostar demasiado e não me coibir de o demonstrar. Grato pelo texto.
Olá Hugo. Ainda bem que gostaste. Se intensidade é toxicidade, eu devo ser umas 30 bombas atómicas. 🙂
Eu percebo! Só sobrevive quem sabe dar o peito as balas.🙂