Saudade de tempos felizes ou a história por detrás de um batom

Esta história começa com a minha amiga Sara Raquel. Brasileira e do signo Carneiro, ela é uma mulher de 31 anos, bonita e fogosa. Hoje, é casada e tem dois filhos, mas eu e ela partilhamos um segredo – um batom que a acompanhou durante mais de metade da vida.

Quando tínhamos 15 anos e andávamos na escola secundária, éramos muito populares entre a população masculina dentro e fora do recinto escolar.

Sendo mais “produzida”, vistosa e desinibida, a Sara Raquel teve então a ideia de mandar vir do Brasil um batom vermelho que pagámos a meias e que prometia «arrasar na balada». Esperámos 15 dias – muitos deles fechadas em casa da Sara Raquel ao final da tarde a ensaiar visuais, penteados e conjuntos para combinar com o batom – até ela receber o aviso para ir levantar a encomenda aos correios.

Pusemos água de colónia a rodos e saímos em busca do batom para seduzir.

Levantámos o envelope com o batom lá dentro. O exterior era sofisticado, “red cerise” – tal qual o batom prometia ser nos anúncios. Estávamos tão ansiosas que corremos para o prédio onde a Sara Raquel vivia e subimos as escadas até ao quinto andar sem esperar pelo elevador.

Mal entrámos em casa, ela pousou as chaves sobre o móvel do átrio de entrada e abriu o envelope. E ali estava ele: o batom cerise de mulher fatal para todos os rapazes e homens do mundo e arredores ficarem (ainda mais) caídos aos nossos pés.

Só havia um problema. O batom era apenas um e nós, apesar de sermos muito amigas, éramos duas. Embora fôssemos muito chegadas, vivíamos em terras diferentes e não havia nenhuma hipótese de podermos utilizar o batom no mesmo dia.

Éramos como irmãs muito queridas. Assim, fizemos uma escala para utilizarmos o batom até podermos mandar vir o próximo. No entanto, eu sabia que aquele batom não era para mim. Era aquele o batom propício a mudar a vida da Sara Raquel. E tinha razão, como verão mais adiante.

Abraçámo-nos, um pouco emocionadas por termos conseguido trazer um batom de tão longe e a Sara Raquel retirou-lhe a tampa. Ouviu-se um “ploc” e entrou em vigor a época da cerise perfeita.

A minha amiga pôs aquele batom, penteou-se e vestiu-se. Estava absolutamente perfeita. O red realçava por contraste a pele pálida dela e o cabelo acobreado que ainda hoje usa com o tom natural. O tom cerise valorizava os traços clássicos do rosto de Sara Raquel e concedia-lhe aquele je ne sais quoi caraterístico de uma elegância sublime.

Depressa chegou a minha vez. Estava bastante nervosa. Acontece que não gostei (nem a Sara Raquel gostou) de me ver com o batom. Desta forma, eu nunca o usaria e a Sara Raquel poderia usá-lo sem limitações.

Ela ainda tentou consolar-me e disse que me ajudaria a procurar o batom perfeito para mim, mas eu não gosto muito de ser consolada. Respondi-lhe haver coisas do domínio do destino: o batom perfeito, tal como o homem perfeito, viriam ter comigo no momento certo e nunca antes disso.

Sorrimos e saímos de casa. A Sara Raquel envergava o seu novo batom, pelo que foi mais admirada do que era habitual. Destino ou não, foi nesse dia que conheceu o Gonçalo – o futuro marido dela.

Desde aí o batom red cerise tem feito parte dos momentos mais bonitos da vida da minha amiga. Ninguém sabe por que motivo a Sara Raquel usa aquele batom com tanta alegria – mas eu sei.

Fui eu que coloquei o batom na clutch que a minha amiga levou à festa de noivado dela.

Fui eu a convencer a maquilhadora a manter o red cerise como parte da maquilhagem da cerimónia de casamento da minha amiga.

E fui eu a pegar no Alexandre e no Daniel pela primeira vez depois do parto. Ajudei a Sara Raquel, ainda exausta do esforço de dar à luz, a colocar o red cerise nos lábios e a tornar-se na recém-mamã mais sexy do planeta.

E eu? Como fica a minha história por detrás de um batom?

No outro dia, saí com o meu namorado à noite e estava um frio intenso. Pedi-lhe para esperar um pouco enquanto mudava de casaco. Aproveitei para me perfumar e coloquei nos lábios a minha mais recente aquisição – um batom pink com brilho protetor do cieiro. Quando voltei para junto do Miguel avisei-o: «Cuidado! Se me beijares, podes ficar com brilho nos lábios.» Ele respondeu-me: «Quero lá saber. Gosto de ti.» Escusado será dizer que passámos toda a noite a trocar beijos com brilho. Foi assim que percebi que, sem me dar conta, encontrara o batom e o homem perfeitos para mim.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
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