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Santos do Pau Oco do Primeiro Esquerdo

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Quando escrevi “Santos do Pau Oco”, onde eu ralho com os vizinhos da direita que fazem imenso barulho assim que chegam da igreja, não estava a pensar ter que ir logo a seguir bater à porta dos vizinhos do primeiro esquerdo. Acontece que assim que ponho a carta na caixa de correio, os casos ligados ao guru canhoto Boaventura são finalmente levados a sério, o Presidente Lula da Silva diz disparate atrás de disparate surpreendendo até portugueses seus simpatizantes, o PCP abstém-se da criminalização das práticas de conversão de orientação sexual – após acusar a IL de não aprovar por “serem fascistas e conservadores” – e celebram o nascimento de Lenine poucos dias antes do 25 de Abril.

O 25 de Abril abriu-se realmente ao povo só em anos recentes. Sempre foi um marco e uma arma da esquerda que é contra a propriedade privada, mas sempre se apropriou do Dia da Liberdade. Sendo um partido que fez parte de uma coisa boa – livrar-se do Salazarismo – o PCP tem logo carta branca para tudo que diz e faz. Aparentemente quem faz uma coisa muito boa é porque faz tudo bem. Prova da festa privada continua nas declarações do Supremo Líder Paulo Raimundo “O 25 de Abril foi para todos, mas não é de todos. Não é de quem nunca o quis, de quem ataca e se empenha para que Abril não se cumpra”. Vejam que para os comunistas Abril ainda não se cumpriu, e vejam a facilidade com que distribuem o rótulo de fascista, e notam a duplicidade das suas afirmações.

Ao contrário do mito que domina a data, o 24A cumpriu-se graças às alas moderadas lideradas por Mário Soares e Salgueiro Maia. Se o Partido Comunista tivesse realmente a sua vontade feita, em 74-75 tínhamos uma ditadura comunista ao estilo dos ditadores e regimes que o PCP celebra mas a sociedade lhe perdoa. Tal é a imunidade, que qualquer crítica aos padrões duplos que existem entre os radicalismos portugueses tem como resposta “Queixa-se quem nunca começou uma revolução”. Isto não é o flex que pensam que é.

A direita portuguesa até hoje navega o barómetro instalado e supervisionado pela maioria de esquerda, que já fez uso de coligações com a extrema-esquerda para subir ao poder e construir geringonças, e condena a direita sempre que aborda temas comuns à direita-radical.Não admira a política portuguesa rondar agora à volta do barómetro, não de projetos, não de objetivos e metas para o futuro.

Não é novidade

Após a queda do Muro de Berlim e do regime soviético, ficou a impressão que todos arrumaram as malas e foram para casa escrever livros e peças de cinema para educar e entreter as massas sobre as aventuras da Guerra Fria.

Espiões do Kremlin tinham infestado os EUA nos anos 30. Pela altura da Segunda Grande Guerra, tinham infiltrado o Departamento de Estado, o Departamento da Justiça, o Departamento do Tesouro, a OSS (predecessor da CIA) e o Projeto Manhattan. Em 1951, com a Ameaça Vermelha a todo o gás após as detenções de espiões atómicos e líderes do Partido Comunista dos EUA, que apoiavam os agentes do Kremlin, os Soviéticos acalmaram os ânimos e esconderam-se pelo mundo. Vem a Guerra Russo-Ucraniana e a TV portuguesa enche-se de generais da reserva envolvidos com o Partido Comunista, e a espalhar narrativas do Kremlin. Enquanto a Comunicação Social aplica um cordão sanitário à volta de qualquer aproximação ou relação direta com o Chega e seu eleitorado – que a nível de política externa consegue ser bastante similar a posições do BE e PCP – as posições anti-europeias e anti-americanas da extrema-esquerda têm percorrido de livre vontade (já para não falar de ser aparentemente aceitável falar mal de estrangeiros quando estes são ricos e privilegiados).

O escrutínio não é, de longe, igual. Não obstante devemos agradecer o 25A por este permitir a criação de plataformas – entre as quais o Repórter Sombra – que permitem as pessoas experimentar e se exprimirem, livres de censura e nunca livres de crítica. É cada vez mais possível sermos expressivos, ao mesmo tempo que não faltam tentativas de limitar isto sobre pretexto do combate a fake news, que existem, mas muitas vezes significam simplesmente ir contra a elite estabelecida. O ocorrente caso da TAP é um exemplo óbvio de escrutínio que tem desenterrado cada vez mais mentiras que o próprio governo tem nos atirado à cara não só nos últimos 2 anos, mas 7 anos. No entanto existe ainda mansidão suficiente para usar o Estado Novo e suas misérias para, nas palavras do politólogo Jorge Fernandes, “legitimar os resultados económicos de hoje, tornando-os pelo menos toleráveis.”[parafraseado]

25A como instrumento de polarização

O 25A continua uma festa da esquerda para a esquerda e o convite de Lula vem reforçar isso. Lula veio dizer durante sua visita que nunca igualou Rússia à Ucrânia. Numa entrevista concedida em Maio de 2022 à “Times”, Lula disse que Volodymyr Zelensky “quis a guerra” e era “tão responsável” quanto Putin pelo conflito. O que me surpreende é a surpresa dos portugueses, e vamos já ver o historial. As recentes eleições brasileiras foram contra Bolsonaro, não a favor de Lula nem da democracia. Marques Mendes diz que a vitória de Lula, para todos efeitos, foi uma vitória da democracia (16/04). Não me meu caro. Quem ganha é só o candidato. A Democracia é o próprio ato de votar, em quem quiser, em eleições livres, e preservar isto sim, é uma vitória, mas uma à parte.

Em 2005 Lula elogia o ditador venezuelano Hugo Chavéz e diz que há “excesso de democracia” na Venezuela. Ainda diz “Este homem, que apanhou como pouca gente apanhou, hoje, se transforma em um companheiro da maior importância”. Em 2009 Lula chama Muammar Kadhafi de “meu amigo, meu irmão e líder”, e ataca a imprensa por criticar sua aproximação com líderes autoritários (lembram-se de Trump?). Em 2010 concede a Bashar Al-Assad, ditador da Síria, o Grande Colar da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul. Está eportado como o seu regime é apoiado pela Rússia e já deslocou cerca de 6,7 milhões de pessoas, e matou mais 306 mil. Em 2019, em típica atitude anti-americana e anti-europeia, diz: “Uma coisa que eu estou orgulhoso é o papel do Putin na história mundial atual, o que significa que o mundo não pode ser tomado como refém pela política estadunidense”. Ao mesmo tempo descasca Trump, para boa medida. Em 2021 Lula elogia a ditadura chinesa e diz que o país pode fazer o que diz “porque o governo tem controle e poder de comando. O Brasil não tem isso, nem outros países.” No mesmo ano minimiza a ditadura da Nicarágua e compara o ditador Daniel Ortega à democrata alemã Angela Merkel.

É perfeitamente possível manter relações cordiais com países ideologicamente opostos. A Europa e EUA têm feito, e este até tentou com a Rússia, que mesmo assim atacou a Crimeia logo após Barack Obama reatar relações com o Kremlin. Mas Lula, tal como os partidos portugueses que o apoiam, tomam os ditadores como exemplos ideológicos. Democratas e verdadeiros mediadores da paz também não irritariam a Europa, EUA e Ucrânia e lambiam as botas de homofóbicos e xenófobos. Isto também não é, de longe, ser pragmático, mas por qualquer razão perversa, leva um passe, e é até mesmo desvalorizado.

Quando o Chega surgiu, a Comunicação Social teve um dos papeis principais no seu crescimento, e ainda hoje mantém programas dedicados só ao partido e ao seu líder André Ventura. Tal como o fenómeno Trump, a direita radical simplesmente dá audiências, e o eleitorado, ao destilar a sua revolta, só acaba por dar mais receitas. A polarização dá dinheiro e o circulo é vicioso. Conquanto o eleitorado não é cego nem surdo, e eventualmente torna-se realmente ressentido ao ver estas figuras à esquerda saírem virtualmente ilesas das suas afirmações. E com ilesas quero dizer livres de crítica pública. A SIC passou um documentário que branqueava Lula em todas as suas posições, e a CNN não mostrou grande interesse em comentadores críticos de Lula (mas quando o assunto é Ucrânia ou Igreja, gosta de debates acesos). Dou crédito às tentativas dos jornalistasem questionar os comentadores sobre as afirmações de Lula, e aqui viu-se as posições dos comentadores que desvalorizavam ou fugiam da pergunta com apelos a virtude e emoção. A crítica a Lula foi muito mais forte nas redes sociais e artigos de opinião nos jornais como Observador e Expresso (que também tem programação dedicada a Ventura), porém, são meios que custam muito mais a chegar ao eleitor médio, ao contrário da TV.

É o Estado a que chegámos

No artigo anterior acusei a própria direita radical de corromper o seu Mos Maiorum. Aqui acuso a esquerda do mesmo, que tanto critica a riqueza e faz julgamentos de relação de poder, e não tem a noção da sua auto-promoção a aristocracia progressista. Cria barómetros e hierarquias ao redor da virtude e tenta desmantelar o que é feito por mérito. Ainda há pouco tempo assisti ao caso concreto de um jovem que criticava a meritocracia, e achava-se um privilegiado ciente da família onde nasceu e da cor pálida da sua pele (em vez da esquerda realmente progredir para um futuro pós discriminatório, as suas forças radicais decidem que é uma boa ideia criar outra pirâmide). Quando questionado sobre a sua primeira aparência num programa de comentário português, onde foi acusado de estar lá devido ao seu apelido, defendeu-se dizendo que achava estar lá por mérito do seu trabalho. Enfim.

A esquerda anda a tratar Portugal como um país rico, com uma excelente mobilidade social, e como um paraíso neoliberal que precisa urgentemente de outra revolução. Um país claramente estagnado, sem crescimento, sem riqueza e cada vez mais pobre, que conseguiu a liberdade mas não tem os meios nem recursos para a exercer. Gabam-se das conquistas sociais e atacam a meritocracia para defenderem a igualdade, mas só quando regulado pelo grande poder estadista, não vá a liberdade ser livre.

Termino esta peça com o Capitão Salgueiro Maia: “Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os estados socialistas, os estados capitalistas, e o estado a que chegámos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário, sai e forma. Quem não quiser sair, fica aqui!”

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Igor Veloso
De Águeda, cidade dos chapéus de chuva, perfeita para quem gosta do inverno e precisa de proteção do sol. Interessado na atualidade política, mete-se em vários projetos locais e humanitários.

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