Sabor a Chuva

Caril com sabor a chuva polvilhado de pétalas e aroma a pobreza.

Nem todo aquele que é pobre de bolso, sê-lo-á de espírito. E a Índia é exemplo disso.

Este é um país rico de aromas, cores, sons e sabores e dedica-se a exaltar as emoções e os sentidos.

E assim se confirmou num pequeno vídeo com o qual me deparei numa plataforma bastante conhecida de divulgação de vídeos. Afinal o aroma da chuva era possível ser encontrado em pequenos frascos, feitos de uma forma artesanal, tomando o tempo necessário para que se transformem todos os elementos de que é composto, num momento de pura felicidade de mineralidade térrea.

Como terá sido possível alguém ter conseguido captar e destilar, replicando assim um tão complexo aroma, que não se pode reduzir a um elemento físico? A chuva é algo de etéreo existencialismo. Esse cheiro a terra molhada, cheiro de chuva, também denominado de Petricor. Termo que tem origem no grego pétra (pedra) e ikhôr (sangue dos deuses).

Matti ka attar, ou perfume da terra, pode ser encontrado na Índia, em Uttar Pradesh.  Para elaboração deste perfume são utilizadas flores criteriosamente escolhidas, bem como óleo de sândalo que tem uma elevada qualidade reconhecida a nível mundial, assim como barro e água. Todo o processo envolve tão somente a mão humana, rigor na cozedura e destilação bem como na pesagem de todos os elementos. Só desta forma se consegue atingir o alto padrão de qualidade exigido, para obter um resultado tão único e pago a um justo valor.

Esse perfume, apesar de ainda não o ter adquirido, terá o cheiro da chuva naquele país, naquele local. Este tem uma identidade tão própria quanto terá o do povo de cada recanto do mundo. A razão pela qual assim é, estará relacionada com o facto de ser um aroma exalado aquando da queda das primeiras chuvas, depois de um médio/longo período em que o solo permanece seco. Este cheiro não será da chuva mas sim de todo um conjunto de elementos envolvidos neste processo. Desde a composição do próprio solo, às suas bactérias naturais, os óleos que são libertados pelas plantas e são absorvidos pelo solo, bem como as próprias pedras, mais ou menos argilosas.

A magia começa um pouco antes das chuvas, em que a humidade do ar e do solo libertam o odor tão característico, e atinge o seu auge quando caem os primeiros pingos de chuva. Quando estes atingem superfícies porosas, formam-se pequenas bolhas de ar e assim que rebentam espalham naturalmente esse odor pelo ar, viajando ao sabor do vento. Afinal a natureza ensina-nos a tirar melhor partido dos aromas tão ricos que nos rodeiam.

O aroma a chuva, esse bem tão precioso que em muitos deixa um sentimento de nostalgia, tanto quando nos falta, como quando nos abunda. Essa água benta que limpa o ar de bactérias, que nos lava a alma, e nos dá vida e alimento. Quando bem doseada, e consoante a necessidade, a chuva tem o valor de ouro. Tem o seu valor na vida de quem vive da terra. Tem o seu valor para quem por ela é iluminado. Tem o seu valor, para todo o ser humano, ainda que alguns não tenham consciência disso, obcecados por um sol, que só por si, pouco mais é que isso. Sem chuva, seríamos um punhado de terra seca, sem vida, sem perspetivas de vir a ser mais e renovados.

Bem como na natureza, os perfumes serão mais agradáveis e duradouros, se nos deixarmos envolver por uma nuvem deste concentrado de deliciosas experiências que nos despertam os sentidos. Esse orvalho perfumado que devemos libertar para o ar, dando um passo para nos envolvermos num perfume que fará parte de nós, sem agredir a individualidade do outro.

Analisando de um modo mais profundo, queremos ter o odor de uma natureza complexamente adulterada. Na verdade, grande parte do ser humano não quer preservar o perfume único da sua pele. De si.

Os perfumes, por vezes servirão para dissimular odores menos agradáveis. Por outro lado poderão ser um forte aliado no sentido de atrair as fêmeas ou os machos num jogo de atração e predatismo sexual, ou simplesmente de sedução.

Somos todos seres conduzidos pelo olfato. Sentimos os odores uns dos outros, mesmo que por vezes contra nossa vontade. Deixamo-nos seduzir por um prato que exale um aroma agradável ao palato. O caminho entre o olfato e o palato é por vezes tão curto… Analisamos o bouquet de aromas de uma apelativa taça de vinho. De uma chávena de café. De um bolo ou um pão acabados de fazer.

Tudo são cheiros, perfumes, que nos despertam as mais variadas reações. Mas a chuva, o perfume desta, terá sempre um lugar tão mágico, tão puro, tão fresco e único que dificilmente poderá por outro ser destronado.

Capaz de despertar em nós alegria, nostalgia e/ou de nos unir, tem a capacidade de nos refrescar, de renovar, ou de nos atirar para um sofá ou uma cama, com o conforto de a poder ouvir. E é ouvindo-a que a podemos também cheirar.

 

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico

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