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Relatório Cubano

Da varanda onde estou observo os condutores de bicitaxi e os peões que descem a avenida até ao Malecón; os passageiros que viajam de maquina e os espectadores que formam fila em redor do cinema. É sábado, usufrui-se da cidade. Não há tumulto, não há pressa, não se ouve uma buzina. Rico fim de tarde, rica brisa marítima.

Reconheço os temas do Buena Vista Social Club. Uma senhora chique faz dueto com um homem de fita-métrica à cintura. Se Cuba no se va es el Papa que viene, lê-se grafitado no outro lado da rua. Começou o concerto no Restaurante Sofia.

De Havana a Guantanamo são vinte e duas horas de viagem. No centro da carruagem, a ferromoza anuncia as instruções: os lugares são marcados e, apesar do calor, os homens devem manter a camisa vestida. O gigante está prestes a partir para as províncias do Oriente, o imenso resto de Cuba. São onze carruagens lotadas: povo mestiço, rijo, solene, cívico. O comboio avança lento, intermitente, pesado, através da longitude da ilha.

A área é de Alta Sensibilidad de Seguridad. A única estrada de acesso está barricada. Havia um miradouro, mas encerrou desde que a prisão ganhou fama. Para obter um vislumbre da base-militar norte-americana é preciso um permisso. Na praça morna, um altifalante murmura Guantanamera, guajira Guantanamera.

Sigo para Baracoa, percorrendo mais 153km para leste: dois terços à beira-mar, o último terço montanha acima. O Atlântico, azul-cobalto, bate contra o coral, e os vales, verdes e húmidos, prenunciam a floresta-virgem. Troca-se um pneu ao quinquagenário Willys: eu, um militar, um camponês e um jovem aprumado a quem a namorada roga que mantenha as mãos limpas.

Escondida entre o oceano e a cordilheira, Baracoa serve uma baía no sopé da montanha. A roupa esvoaça nos estendais. Um canito ladra no terraço contíguo. As casas são, na sua maioria, de madeira. Ainda se fazem pequenos restauros depois que passou o furacão Sandy: um toldo que voou, uma antena de televisão que é substituída.

Come-se cucurucho – compota de coco, toranja, goiaba e açúcar. Fumam-se rudes cigarros criollos. A areia, grossa e negra, pesa-nos na palma das mãos. A bruma derrete pela montanha até parar na praia a voar baixinho sobre os detritos trazidos pela maré.

No Hogar Materno, grávidas de cabelo à sevilhana descansam em cadeiras-de-balouço; no Ginásio de Cultura Física, jovens orientales fazem jus à fama de fisiculturistas. São lugares públicos, alpendres de antigos solares coloniais.

No bar La Trova sente-se algum desespero, espécie de sofreguidão insular: os estrangeiros, recebidos com um brilhozinho nos olhos, representam benefícios imediatos ou – jackpot – uma oportunidade para sair da ilha.

Cruzo a foz do Rio Miel numa barcaça. A ponte primitiva também foi levada pelo furacão. Um bando de garças voa numa coreografia síncrona, cortando o vale e rasando a superfície fluvial como uma flecha. Cheira a húmus, escutam-se as pulsações da floresta.

Ladeira acima, antigo território índio: aldeias Boca de Miel, Imahana, Yara, Majayara. Planta-se café, cacau, feijão e abacate. Despontando por entre a folhagem, insólito e solitário, um cacho de banana roja, espécie endémica, rara e preciosa, de banana cor de ferrugem.

Chego ao bohio – cabana – da Familia Fuentes. Os irmãos Reinaldo e Lionel vão-me levar à La Cueva. Embrenhados na vegetação, correm descalços sobre as arestas de coral fossilizado. Descem escarpas, encolhem o peito para caber em desfiladeiros; escadas, corrimões, parapeitos de pau construídos para levar os viajantes às profundezas da floresta.

Penetramos na gruta e, depois que os olhos se habituam à escuridão, surge o motivo da visita: o lago azul subterrâneo que rejuvenesce quem nele mergulha. Cinco años mas joven, regresso ao bohio, onde me são oferecidos café e fruta. Os Fuentes, para além de agricultores, são seres alados da floresta. Descendem do índio Hatuey, o primer rebelde de America inmolado por Diego Velásquez en Yara de Baracoa.

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