Lembro-me de ouvir falar da dita regionalização, desde a década de 90 do século passado. Segundo vim a saber depois, este era um “processo democrático” já com décadas de discussão.
Analiticamente observando a realidade do país em que vivemos, os “processos democráticos” são sempre coisas que envolvem muitos anos de “discussão” e “consideração”. Não consigo imaginar entre quem, o que é discutido ou conversado, quando, onde, que tipo de conceitos são elaborados, e que compromissos e negociações são feitas entre esses “quens”, até porque geralmente esses “processos democráticos” sucedem às escondidas e fora do escrutínio do suporte social da verdadeira democracia: os votantes, ou seja, a população portuguesa.
Imagem do país em que vivemos…
Recordo-me de aprender na escola que o país, nos tempos do “Estado Novo”, era dividido em regiões que possuíam características territoriais, populacionais e sociais homogéneas. Territorialmente eram maioritariamente contínuas, algumas separadas por barreiras físicas entre si, reminiscências da estruturação territorial do antigamente, que historicamente marcaram a homogenia/ heterogenia do território.
É lícito assumir que o processo de criação de uma “regionalização” está intimamente ligado às condições físicas, socioeconómicas e humanas do território.
Ora, a aprendizagem que tivemos na escola condicionou toda a nossa interpretação de um processo de regionalização: se não formos pesquisar, entenderemos o processo como a mera formalização institucional de algo que vinha dos tempos do “Estado Novo”. O grande problema é que isso não chega para caracterizar e definir o processo em si, que é muito mais complexo, à parte o trauma psicológico inerente a implementar algo que provenha desses tempos.
Contudo, a regionalização não é tão somente uma formalização institucional de algo que existe – não é escrever num papel que determinada zona é autónoma (o que quer que essa denominação possa querer dizer) e temos o processo concluído.
Enquanto no caso dos Arquipélagos da Madeira e Açores, a delimitação regional é feita pelos milhares de quilómetros de oceano que separam as mesmas do Continente, com realidades relativamente homogéneas territorialmente (o ser insular ajuda), no caso de Portugal Continental, as fronteiras dissipam-se, esbatem-se territorialmente, física, social e humanamente. A título de exemplo, há realidades locais similares distantes centenas de quilómetros entre si – Freixo-de-Espada-à-Cinta tem sensivelmente a mesma população que Castelo de Vide, e uma realidade territorial, física, social e humana muito similar.
No outro lado do espectro, temos o fenómeno urbano, em pólos perfeitamente delimitáveis, com realidades muito similares e supostas infraestruturas de gestão “regional” já criadas, como as Juntas Metropolitanas – vazias de conteúdo, desprovidas de poder real, plantio de nomeados, mas ainda assim, formalizadas.
Outra face do fenómeno são os seus objectivos “regionais” e de que forma a instituição regional pode ser entidade agregadora de uma visão alargada para a “Região”, e que formato essa visão tomaria – Económico? Financeiro? Territorial? Infraestrutural? Social? Cultural?
O problema é por demais complexo, envolvendo múltiplos factores e visões, o que eventualmente explicaria a demora no “processo democrático” invisível que supostamente se processa (será inactividade ou incapacidade governamental?), até porque, para além do aspecto da constituição do que será uma “Região”, a operacionalização da mesma é só por si um problema – desde a dimensão do que é uma “Região” (muitos dos Estados americanos têm a dimensão de Portugal, ou são ainda maiores), ao formato que o órgão institucional que a gere irá assumir (mais um órgão Político? Um órgão de Gestão? A quem responde? É eleito? Designado de entre as entourages políticas do partido no poder?), aos custos operacionais propriamente ditos (pessoal, meios, etc.), à própria relação e poder que esse órgão terá sobre a gestão municipal. E o afrontamento que tal poder irá ter no caciquismo local, que todos sabemos existir algures por esse Portugal, mas ao qual fazemos questão de virar a cara.
O certo é que o tema e a delimitação do que é o fenómeno regionalização carece de um verdadeiro processo de discussão democrática, que envolva as populações, em regime de equidade (coisa muito diferente de igualdade, mas isso é outro artigo por si só), e que deve naturalmente ser óbvio, escrutinável, e consensual, por menos vontades políticas individuais que se vejam realizadas no final desse processo.
Além disso, o processo não pode ser novamente outro “elefante branco” que onere o Estado Português (o Estado são as pessoas), nem outro stand de nomeações políticas, ou outro poço de fundos, sejam estes originários de impostos, sejam comunitários, e que normalmente se destinam apenas a alimentar quereres e vontades individuais.
Uma regionalização, qualquer o formato que isso venha a ter, tem de ser feito com competência, visão, integração, integridade e equidade, até porque se destina a servir as pessoas – todas as pessoas – e não apenas os egos e interesses privados de alguns.
E por essa razão não pode ser um processo político.
Nota do Autor: Tradicionalmente diferencio em discurso corrido o aspecto técnico do aspecto político. A maioria das ditas decisões “políticas” tomadas em Portugal deveriam ser técnicas, do foro da Gestão pura – frias, isentas, claras e transparentes – mas por intromissão política tornam-se geralmente outras coisas – bandeiras políticas, tendenciosas, obscuras e inescrutáveis.
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