Reels, Swipe e Sweet Realidade

Há um fenómeno observável durante os concertos musicais que me causa alguma cisma: a quantidade de ecrãs dirigidos para o palco com o intuito de registar o momento. Será que o emissor quer apenas partilhar com os outros que esteve presente- ”se não está na internet, é porque não aconteceu” ou pretende proporcionar aos amigos um bom momento musical? É que eu imagino sempre o receptor a diminuir o som do vídeo por estar demasiado barulhento ou a não aguentar mais do que 10 segundos a ver pois só vê telemóveis à frente e a imagem não está fixa ou não tem qualidade suficiente. Também questiono em que altura da vida essa pessoa irá rever de novo o vídeo que gravou, e se realmente se deixou absorver pelo momento musical ou o telemóvel interferiu com o suposto prazer musical, em prol da comunidade de internautas.
Antes desta era digital, penso que cada um de nós já recebeu uma chamada de uma pessoa que estava num concerto e nos decide ligar, quando toca “aquela música”. Bonita intenção, mas demasiada confusão sonora. Geralmente é só barulho de fundo. No entanto, penso que essa atitude é mais enternecedora – dirigimo-nos a um ente querido e não aos nossos seguidores que a maior parte das vezes não querem sequer saber.
Hoje, gostamos de vídeos curtos e que captem a nossa atenção nos primeiros segundos. Anda tudo em competição por esses primeiros segundos, numa plataforma sem fim à vista e onde navegamos largas horas, muitas vezes sem aprender nada de relevante. Quando nos aconselham uma série, uma das primeiras perguntas é “quantos minutos tem por episódio?”. A nossa capacidade de concentração é cada vez mais diminuta, bem como a nossa paciência e dedicação a projectos de médio prazo. O que se quer é resultados e soluções instantâneas, de preferência à distância de um clique.
Estas tendências actuais têm bastante interferência na forma como comunicamos pessoalmente ou como lidamos com as adversidades. O debate, a partilha do nosso quotidiano e a exposição das nossas forças e fragilidades para com o outro dão lugar a duas bolhas individuais, cada pessoa no seu próprio algoritmo. À medida que mais pessoas se juntam, mais as bolhas fazem mitose. A nossa interacção parte demasiadas vezes por mostrar ao outro o ecrã do seu telefone. Vamo-nos entretendo uns aos outros desta forma, criando relações cada vez mais frágeis e distantes. O espírito de aventura e de comunhão é absorvido por esta sociedade do entretenimento e do conteúdo streaming. A capacidade de iniciativa fica-se pelo ecrã táctil e pelo comando de televisão (e já é difícil escolher algo que nos agrade).
Posto isto, é normal falar-se numa sociedade cada vez mais carregada de ansiedade. Quando surge um problema mais complexo e que requer um esforço e dedicação mais alongado, não nos sentimos com capacidade de o ultrapassar. Nem tudo se resolve desligando e ligando a aplicação.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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“Cada um no seu algoritmo “- Essa devia ser a frase do ano, e talvez de um passado recente, e infelizmente tendência para o futuro.