Enquanto escrevo estas linhas a vida apaga-se em mim como uma luz trémula. Ainda sou este eu pensante, sofrido, que respira desamor, sentimento esvaído que circula pelas veias e sangrará nestas palavras, as últimas, que todos lerão. Em breve, deixarei de ser Eu, Florbela. Não foi isso que procurei?
Confesso. Nunca soube de verdade se foi o amor que me agarrou a mão, me prendeu à vida ou se foi a imaginação, essa louca da casa, que me fez buscar na terra infértil da realidade, o sentimento profundo que no céu infinito da criatividade um dia sonhei.
O que escrevi confundiu-se com quem fui? O que pensarão depois de morta dos meus versos? Em vida, nunca não me levaram a sério. Nem aos poemas que me rasgavam, que precisavam de sair, de gritar por mim.
E gritando, senti-me esquecida, mesmo por ti, paixão eterna. E pelo mundo, olhares cruéis que sempre me julgaram. Só por ser mulher! O mundo cruel não me compreendeu, não ousou olhar-me de frente.
As minhas palavras nunca bastaram. Para ninguém. Nem para mim. Se assim fosse, não estaria trinta e seis anos depois e por estas mãos insanas a aguardar o lençol negro da morte que me cobrirá para sempre com o seu peso infinito.
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
A vida foi o palco onde atuei sem esperança, essa maldita, que me roubaram quando nasci, no dia em que me tornei Bela.
Fui Bela, nunca aos teus olhos, nunca o suficiente para me leres em todo o esplendor desta loucura, do meu desejo infinito de ti.
Não vejo nada assim enlouquecida…
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
Tudo o que escrevi saiu-me das entranhas. Mágoas infinitas, desgostos de alma, pesar que me crucificou em vida. Versei tristeza. Forte por fora, frágil, tão frágil por dentro, como as lágrimas que a tua morte congelou.
“Tudo no mundo é frágil, tudo passa…”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
Não me despeço de nenhuma alma. Não há quem mereça neste mundo a minha saudade. Às amigas, digo-lhes apenas «obrigada». Avisei-vos: morreria no dia em que nasci. Não almejei a vida que a sorte me deu, nem este destino malfadado ou o amor nunca alcançado, mas escolho morrer às próprias mãos ímpias, no mesmo inverno que me viu nascer. Tenho essa coragem. Ou cobardia.
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!…”
Sonho agora com Verona, de todas as cidades, a mais tranquila.
Mereço esta paz. Nem a poesia me bastou.
Apeles, estou a chegar. Já me consegues ver, meu menino?
Por fim, nós.
Princípio e Fim!
Adorei. Parabéns pelo artigo texto em prosa poética. Sou admiradora da poesia de Florbela Espanca e já tenho Bela de Ana Cristina Silva a caminho para ler. Obrigada pela incursão no pensar e sentir de Florbela Espanca.