Quando o sistema falha e uma criança morre. De quem é a culpa?

Vi recentemente um documentário na Netflix, “O caso de Natália Grace”. Natália sofre de displasia espondilometafisária, um tipo de nanismo, e foi adotada em 2010 pelo casal Kristine e Mickael Barnett. Na adoção, foi indicado que a menina tinha 6 anos, mas os pais começaram a dizer que a criança já era quase adulta. Tinha pelos púbicos e tinha o período. Segundo Mickael, começaram os maus-tratos a Natália por parte de Kristine. Em 2011, os pais de Natalia conseguiram com que um juiz mudasse a data de nascimento da menina, de 2003 para 1989. Em 2013, Kristine e Mickael mudaram-se para o Canadá e deixaram a menina para trás, alegando que tinha mais de 20 anos. Arrendaram um apartamento para Natalia, deixando-a sozinha. Todos os relatórios dos médicos de família afirmavam que Natalia era adulta.

Este caso foi a tribunal e foi logo indicado que a idade da menina não podia ser usada como defesa, pelo juiz ter-se “enganado” a emitir o relatório com a idade de Natalia. Kristine e Mickael poderiam ser acusados de abandono de uma pessoa com deficiência e não por ser menor. Mickael alegava que Kristine espancava a menina, obrigava-a a estar horas em pé virada para a parede, toda urinada e suja com as próprias fezes, obrigava o filho mais velho a urinar na cama de Natalia e dizia sempre que a garota era uma adulta psicopata e que a queria matar. A questão que fica aqui é se de facto a menina era menor e se foi um “erro” do sistema, por ela estar sinalizada e existirem várias queixas de Natália Grace. Mickael foi ilibado das acusações, bem como Kristine por falta de provas. Natália está com uma família que a acolheu e continua com eles até hoje. Depois de ver este documentário, decidi recuperar casos em que o sistema falhou e resultaram em mortes de crianças.
Comecemos por Gabriel Fernandez. Foi abandonado pela mãe biológica no hospital assim que nasceu, vivendo durante a maior parte da infância em casa de familiares.
Em 2012, a mãe biológica decidiu levar o menino para casa para usufruir dos benefícios sociais. O primeiro sinal de alerta, da violência que o pequeno Gabriel viria a sofrer, foi quando contou à professora que apanhou com o cinto. A escola contactou uma assistente social que tinha pouca experiência para o que o trabalho exigia.

A partir daí, o menino chegou a ir à escola sem mechas de cabelo, feridas no couro cabeludo, lábio inchados, hematomas no rosto e ferimentos causados por tiros de pistola de ar comprimido. A polícia visitava frequentemente a casa onde o menino vivia e acreditavam sempre no que a mãe da criança dizia.

No dia 22 de maio de 2013, os pais de Gabriel ligaram para o 112 a informar que a criança não respirava. Já no hospital, o menino acabou por falecer. Tinha 8 anos.

O médico legista que realizou a autópsia, relatou que a criança tinha fezes de gato no estômago.

Vieram a descobrir que fechavam o menino no quarto, sem comida, sem bebida ou sem poder ir ao WC.

Aqui, a polícia falhou, 4 assistentes sociais acusadas de abuso infantil e falsificação de registos públicos.

Isauro Aguirre, padrasto do menino, foi condenado à pena de morte. Já a mãe foi condenada a prisão perpétua, sem possibilidade de liberdade condicional. No final deste chocante julgamento, aparece mais uma criança morta com a idade do Gabriel.
Mas não é só lá fora que isto acontece.

Em Portugal, no dia 6 de Maio de 2020, Valentina Fonseca era dada como desaparecida pelos pais. Foram realizadas buscas, pelos próprios pais, vizinhos, bombeiros, polícia entre outros e no dia 10 de maio Valentina foi encontrada morta numa serra a 6km de casa. A calma do pai levantou suspeitas e o mesmo acabou por confessar que a menina tinha tido um ataque e que tinham entrado em pânico. Os pais tentaram manter a história inicial, mas foi o filho mais velho com 12 anos a confirmar os maus-tratos que a irmã sofreu. A CPCJ indicou que não foram encontrados sinais de risco e o processo foi arquivado. Esta história acabou com Valentina a morrer com apenas 9 anos. O pai foi condenado a 22 anos de prisão por homicídio, 18 meses por profanação de cadáver, 9 meses pela simulação de crime e 3 anos por violência doméstica. A pena máxima em Portugal são 25 anos.

A mãe foi condenada a 18 anos e 9 meses de prisão, mas não termina aqui.

20 de junho de 2022. Jéssica de 3 anos estava sinalizada pela CPCJ entre 2019 e 2020. Foi usada como troca de moeda para pagar uma dívida de bruxaria no valor de 500€.

A menina tinha a cara queimada, 131 lesões, foi atingida 27 vezes na cabeça e na autópsia, indicaram que a menina pode ter sido usada como “veículo” para traficar. A droga teria sido colocada no ânus da criança.

A mãe foi buscar a menina enrolada numa manta e a criança não se mexia. Alegou que estaria a dormir. Jéssica estava em sofrimento agonizante há horas. Demasiadas horas.
A progenitora foi condenada a 25 anos de prisão e Inês Sanches, Ana Pinto, Justino Montes e Esmeralda Montes foram igualmente condenados a 25 anos de cadeia.

Mais uma vez a CPCJ falhou e uma criança inocente morreu.

Em 2016 uma mãe atira-se ao rio com duas crianças, uma de 2 e outra de 4. Estavam sinalizadas pela Comissão de Proteção de Menores e havia queixas na PSP. Mais duas entidades que falharam.

E há mais muito mais pelo mundo fora. Acredito que às vezes seja difícil conseguir-se detetar uma situação de maus-tratos, mas também acredito que muitas vezes se ignorem muitos sinais, pela complexidade que os casos têm. A questão é que estas entidades falham e uma criança morre.

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico.

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