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Problema de Expressão

O Governo apresentou o Documento de Estratégia Orçamental na passada quarta-feira à tarde, em plena véspera do feriado do 1º de Maio e, automaticamente, as críticas surgiram e as vozes se levantaram. Até aqui, tudo normal, ou não estivéssemos a falar de um documento que prevê subidas de impostos (e por muitos é visto apenas por isso) e não vivêssemos o tempo de sacrifícios que vivemos.

Na prática, o que ele nos vem trazer são medidas de carácter puramente orçamental, não de crescimento, ou desenvolvimento social e económico. É apenas um documento com números e enfadonhas tabelas de análise económica, que serve unicamente o propósito de manter o processo de reequilíbrio das contas públicas que está a ser feito. É aqui que está a primeira falha, que é um problema deste Governo, a gestão da informação e a sua comunicação, pois o ruído que foi gerado à volta deste documento foi de tal forma que parecia que viria quase uma estratégia de crescimento.

Contudo, o grande problema deste documento reside em duas medidas que, questiono-me, são verdadeiramente essenciais. Para poder aligeirar os cortes nas pensões e garantir a sustentabilidade da Segurança Social, o Governo decide aumentar a taxa máxima do IVA em 0,25% e a TSU em 0,2%. Sim, claro que esta ligeira subida, em teoria, permite arrecadar algum rendimento extra que irá directamente para a Segurança Social e, portanto, não servirá para baixar o défice, mas sim para contribuir para a manutenção das condições dos serviços sociais. Isto coloca, a meu ver, algumas questões importantes.

A primeira questão tem a ver com o efeito motivacional. Ora, a economia começa a dar os seus primeiros sinais de recuperação e, com o passar do tempo, acredito, as pessoas começarão a sentir esses efeitos directamente (embora de forma lenta) no seu rendimento. Uma subida de impostos, ainda que ligeira, é, automaticamente, um factor de desmotivação, amplificado por uma incapacidade que este Governo tem, desde o início, de gerir de forma correcta a sua comunicação. Não pode dizer que não sobe mais impostos e, no momento seguinte, fazer o inverso, ainda que possa ser necessário. Ainda que haja muitos produtos que não irão sofrer alterações de preços, acredito, o efeito pré e pós 1 de Janeiro poderão ser nocivos para a economia, até porque o rendimento disponível também descerá 0,2%.

Aqui surge a segunda questão, que se prende com as opções. Até que ponto não se justificava, dado que estamos a falar de números e projecções, manter o lado positivo deste documento (sim, também o há, ao contrário do que a oposição veio dizer) sem fazer estes aumentos, mantendo uma estratégia de confiança no crescimento da economia que possibilitaria o ajustamento necessário para fazer a devolução dos cortes que é preconizada no documento? É um risco? Sim, sem dúvida que é, mas creio que se justificava este risco e seria motivador da população, cansada dos apertos e das subidas de impostos.

Até porque isto leva-nos à terceira questão, a do real efeito desta medida. Estamos a falar de uma subida da TSU, que é incontornável para os trabalhadores, e uma subida do IVA que, na realidade, eu creio que pode ter o efeito inverso. A subida do IVA é a medida da qual, creio, o Estado espera arrecadar maior rendimento. Contudo, este efeito pode ser o inverso. Não acredito que um produto que hoje custa 49,90 euros passe a custar 50,00 euros, ou, como é o caso de produtos de valor mais baixo, como um café, cujo efeito nem sequer chega a um cêntimo. Isto leva-nos à situação de que, se o preço ao consumidor final não se alterar e o IVA for assumido na margem do retalhista, a subida de rendimento será inferior à esperada. Existe ainda outra hipótese, que é a hipótese inflacionista, que também é possível, dado que, devido a arredondamentos dos valores, os preços podem subir mais do que os 0,25%, muito por causa à ganância dos comerciantes (e nem adianta virmos com falsos moralismos, porque não seria a primeira vez que aconteceria). Mais uma vez, dado que o rendimento disponível irá descer 0,2%, o trabalhador perde sempre rendimento e o efeito para com a economia pode ser negativo.

Outra questão relevante prende-se com o propósito desta medida. Estas alterações fiscais são feitas unicamente com o objectivo de canalizar recursos para a Segurança Social, que, como estamos todos cansados de saber, não tem garantida a sua sustentabilidade por muitos anos. Ora, partindo do pressuposto que ninguém quer destruir a a Segurança Social e, com isso, o Estado Social, mas que ele tem de ter a sustentabilidade garantida, então está mais do que na altura de rever as bases do financiamento da Segurança Social e esclarecer as pessoas que, se querem um Estado Social pleno, em que os idosos e os carenciados estejam protegidos, então temos de ser nós a pagar isso. É uma questão simples de consciência social, mas que só é possível com algo que nunca existiu neste país, esclarecimento! É preciso começar a dizer as coisas como elas são e demonstrá-las, pois, após o 25 de Abril, elas foram apenas implementadas e nunca se pensou no futuro.

Isto implicaria também que houvesse diálogo entre os partidos num sentido de criar soluções de médio/longo prazo, algo que se revela impossível pelas duas partes. Este Governo é demasiado autocentrado e a oposição assumiu uma postura de contra tudo. Veja-se a reacção de António José Seguro, que, automaticamente, veio dizer que o tempo deste Governo tinha terminado, mas que não consegue ganhar a confiança do eleitorado, porque, simplesmente, não traz soluções para absolutamente nada, muito pelo contrário. Seguro acha que uma vitória nas Europeias lhe traz legitimidade, mas ainda não percebeu que os portugueses não confiam nele para primeiro-ministro (isso fica para outra crónica). Se a oposição fosse realista, veria que este documento traz também medidas positivas de alívio de alguns, como é o caso dos pensionistas e dos funcionários públicos, mas assume e preconiza que esse alívio, nomeadamente no caso destes últimos, tem de ser gradual, algo com que até concordo, dado o efeito nas contas públicas.

No meio disto tudo e por má gestão da comunicação do Governo, estamo-nos a esquecer de um pormenor. Estas medidas são para entrar em vigor em 2015, ano de eleições, e antes de entrarem em vigor haverá ainda o Orçamento de Estado, que já contará com elas, claro, mas que, também, poderá conter alívios fiscais noutras áreas, como é o caso do IRS, conferindo um pouco mais de rendimento aos trabalhadores, ou até mesmo a bendita subida do ordenado mínimo nacional. Paulo Portas já o referiu, mas, no meio do ruído todo que se gerou à volta do IVA, não se ouviu grande coisa.

Insisto, acho que se podia fazer diferente, mostrar um pouco mais de confiança na economia e isso, sem dúvida, constitui mais uma grande falha na estratégia de comunicação do Governo. Não tem a ver com eleitoralismo, tem a ver com confiança, motivação e sensibilidade, algo que este Governo, nesta altura, ainda que no meio duma avaliação da Troika, deveria fomentar. Se desde o início, no meio desta crise, toda a comunicação fosse clara, transparente e realista, sem contornos, hoje poderíamos ver estas medidas duma outra forma, quem sabe até mais altruísta.

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