Paterson

Paterson é motorista do autocarro urbano 23, com destino a Paterson, a terceira mais populosa cidade do Estado de Nova Jérsia e terra-natal de figuras brilhantes, como Allen Ginsberg, Lou Costello, Rubin “Hurricane” Carter e William Carlos Williams, autor do poema “Paterson”.

A vida deste homem nada tem de diferente. Acorda à mesma hora, antes das 6h30m, com a luz a incidir na face e beija a mulher que dorme agarrada a ele. Uma espécie de capa mágica que a protege de tudo o que possa ser nocivo. Tudo decorre na maior das regularidades, mas com um pequeno apontamento: ele é um poeta e um homem sensível que sabe cheirar a vida.

Toma sempre o mesmo pequeno almoço, cereais em forma de zero e remexe uma caixa de fósforos da marca Ohio Blue Tip. Através dela imagina poemas que depois escreve na hora de almoço. Poemas que são gritos interiores de beleza oculta. A sua cabeça voa com tudo o que vê e ouve. No autocarro, escuta, sem o querer, as conversas de quem vai mais próximo de si.

Sorri e continua a escrever mentalmente os seus poemas. Uma vez a mulher disse-lhe que tinha sonhado que teriam gémeos e começam a surgir pares deles de todas as idades. Ela, uma ingénua e pura dona de casa, dedica-se a uma arte própria que usa para decoração caseira. Sonha com o estrelado, mas é tão infantil que se cansa de tudo.

Em casa, ainda vive Martin, o buldogue inglês que olha sempre com um certo desdém para o dono. No regresso a casa, sempre pelo mesmo caminho, encontra a caixa do correio torta. Laura, a esposa, vive empenhada em mil e um afazeres domésticos de responsabilidade social nula entre jantares experimentais com quinoa e tartes de queijo cheddar com couves de Bruxelas. Tudo é a preto e branco, geométrico e linear ou, então, caótico. Até os cupcakes são desta matização.

Há um certo fascínio que a move e compra uma guitarra. pois acalenta o sonho de ser cantora country. Ele somente escreve poemas que inundam a alma de quem os ouve. Esta doce ingenuidade de Laura é contra-balançada pelo apaixonado apoio a Paterson na divulgação pública dos poemas, que ela quer ler, mas ele não deixa e são executados durante o almoço, invariavelmente à frente do majestoso Passaic River’s Great Falls.

À noite, Paterson passeia o cão, mesmo sem vontade e entra sempre no mesmo bar, onde não se passa nada, deixando o cão à porta. Bebe uma cerveja no bar e dá dois dedos de conversa sobre xadrez, amores perdidos, amores gastos e poesia, muita poesia. No entretanto, desenrola-se um desaguisado feio entre apaixonados e cada um segue o seu rumo.

Um dia o autocarro que conduz avaria e ele, que se recusa a ter um telemóvel, consegue ter sangue frio e retirar todos sem que houvesse problema de maior. Chega mais tarde a casa e parece que o motor da diferença se liga. No sábado, os cupcakes da mulher são um sucesso e vão festejar com um jantar fora e uma ida ao cinema. Filmes antigos de terror. Quando chega a casa, o cão, enciumado e mimado, tinha-lhe roído o caderno de poesia sem que ele tivesse feito alguma cópia

A magia do filme é esta. Cada um descobre a dor que ainda não conhecia e cobre-a de poesia. Paterson sabe que não vai recuperar o que se foi, mas não se deixa desmoralizar. Procura o seu local mágico e recomeça a aventura de novo. A água ajuda-o e ela cai como se fossem cabelos, o que ouviu num poema de uma menina. Alguns chamam-lhe chuva e outros inspiração.

É uma autêntica surpresa de tão suave e tocante. Um bálsamo para os dias menos bons e uma motivação para os que são mais simpáticos. Paisagens, cores e poesia são os ingredientes desta viagem que nos arrebata até ao fim.

Um verdadeiro poema de amor.

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