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Pássaro sem medo

Um pássaro que repousa numa árvore nunca teme que o galho quebre, porque a sua confiança não é no galho, mas nas suas próprias asas.

– Autor desconhecido

Entrei na loja, peguei no artigo que queria, com a determinação de quem sabia ao que ia, e aproximei-me da caixa onde havia uma pequena fila. Assim que as empregadas atendessem as duas pessoas ao balcão, seria a minha vez de pagar. Entretanto, na inevitabilidade de não poder evitar ouvir, apercebi-me que as moças acertavam entre si as vendas ocorridas nesse dia,  a meia voz e por meias palavras, mas ainda assim percetível a um ouvido atento, ou de tísico, como o meu. A que vendera mais oferecia o seu registo à outra, na busca do equilíbrio. Assim, quando o patrão fosse avaliar a produção, a disparidade seria mínima. Espantei-me.  “Em bom”, como se diz agora. Não sabia que ainda existia esta solidariedade entre as pessoas, este pensar no outro. Não era nada comigo, mas não consegui conter-me, acabei por as parabenizar pelo espírito cooperante.

Há 20 anos, quando entrei no banco, mais concretamente numa agência situada no centro de Lisboa, o que vi foi precisamente o contrário. Na altura, e acredito que hoje não será muito diferente, senão pior, era necessário apresentar semanalmente o resumo do que chamam a produção, ou seja, tudo aquilo que garantisse entrada de dinheiro: depósitos, investimentos, vendas de cartões, empréstimos. Ali, na crueza dum ficheiro alheio a justificações, condicionalismos ou atenuantes, era decretado quão bom ou quão insuficiente era o colaborador. Uma leitura cega, limitada, e sem espaço para explicações. Pessoas que sem revelarem qualquer vocação comercial ( se é que se pode chamar tal à imposição desesperada de produtos bancários e financeiros), são trucidadas pela avaliação quantificada, sem demais. E em 6 meses que não completei na casa, que tal foi o meu desagrado, e na altura as opções eram bastantes para um jovem licenciado e a mudança fácil, o que vi não abonou nada pela empatia, solidariedade ou interajuda.

Ao entrar um cliente pela agência, era prontamente abordado, tão mais rapidamente quanto maior o seu património: 7 cães a 1 osso, como se costuma dizer.  Ao lado de cada colaborador, diariamente, a folha que seria entregue na 6ª feira ao director de área  geográfica, não fosse escapar qualquer entrada, prontamente inscrita. Nesses longos quase 6 meses, vi colaboradores a entrar e outros a saírem por serem “maus vendedores”. Alguns nunca disseram sequer que queriam trabalhar nas vendas. Mas neste meio inóspito, os piores nem eram as chefias, mais velhas e ocupadas. Eram os miúdos de 20 anos, onde eu me incluía. A competição era aguerrida, óbvia e escandalosa.  A não partilha de conhecimento, o esconder certas tarefas só para si, a marcação aos clientes top.

A determinada altura, era eu iniciada nas lides bancárias, angariei um empréstimo de habitação. Não conhecendo os trâmites das autorizações e do sistema, pedi ajuda a uma colega que de forma excessivamente simpática me ajudou. Na inocência que ainda tinha, percebi depois, que lhe tinha caído o bolo no prato. Quando terminou o processo, puxou da folha dela de produção e registou: empréstimo bancário de X escudos (na altura) a fulano. Era  a Cláudia. E se hoje falo nela, não é por boas razões. Incapaz de ver neste processo um incentivo a uma nova colega, nem perguntou, assumiu o empréstimo como seu. Como este, outros casos. Mata, esfola, o que seja, mas preenche a ficha de produção a qualquer custo.

Claro que esta situação abarca todas as áreas de negócio de forma democrática. Obviamente que o que está em causa não é o negócio em si, mas o carácter das pessoas. Matar ou morrer, parece ser o mantra desta gente que não se inibe de ser desleal, agressiva ou de procurar eliminar o outro do seu caminho. É a sociedade que o impõe, são instruções superiores, ou é apenas falta de empatia?

Não foi por acaso que sorri quando li uma frase que diz mais ou menos isto: o pássaro não tem medo que o ramo se parta, porque confia nas próprias asas. É por isso que admiro quem partilha o seu saber, porque sabe que ensinar os outros não fará de si mais ignorante, e com sorte ganhará um companheiro com quem possa reciprocamente aprender.

Partilhar é sinal de poder. As moças alcançaram esse estado, e muito naturalmente preservam o esforço da equipa conjunta, mas também o reconhecimento de cada uma. Sem julgamentos, sem mau carácter.

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