Palavras Nómadas, Dora Gago

Palavras Nómadas, como o próprio título nos indica, é um livro que nos vai levar pelas palavras a diferentes percursos, sobretudo a oriente, onde a autora trabalhou e residiu vários anos. A viagem é, na maior parte dos textos, o mote para o início, que nos transporta para as experiências, muito mais do que lúdicas, mas sobretudo aprendizagens, conhecimento, observação. “No cemitério de S. Miguel Arcanjo, em busca da vida” podemos verificar a troca de hábitos, a influência do país em que se está, os paralelos que é possível estabelece, e claro, as referências que podemos ver já nos próximos parágrafos. Já em “Desejos vãos” os livros substituem a viagem abortada durante uma quarentena.

Sendo crónicas, ficamos muitas vezes sem saber se estamos perante o um relato, uma pequena história, uma reflexão ou a partilha de uma opinião. A crónica literária é assim, dilata as fronteiras de género e é muito mais do que um aglomerado de palavras num papel sem razão: sobretudo com a Dora Gago, há todo um mundo, as suas vivências nómadas que nos apresenta. É precisamente isto que encontramos no último texto, “Um nó para atar a vida”, uma crónica sobre a crónica.

O pendor pessoal, memorialista, autobiográfico é inevitável. Em “Ainda em Laos: sob a estrela da palavra”, por exemplo, encontramos a génese da escrita para a autora, uma ligação entre o passado e o presente, assim como a presença das leituras que ajudaram a construir a autora.

Contudo, muitas das vezes, a autora faz um paralelo com diversos autores, com citações ou referências, criando uma ligação com o mundo interior e o mundo exterior pela literatura, esse retrato global da humanidade. A autora depressa cita Baudelaire, fala-nos tanto do Alentejo como de Macau, porque afinal não há sítio ideal ou preterido para nos perdermos, como podemos ver em “Perco-me, logo existo”. Também aqui, as referências não são apenas literárias ou filosóficas, da experiência do próprio, mas também dos diálogos, que quem contou a Dora a história citada com toda a certeza se lembrará. As leituras que, para além de nos salvarem, também servem de exemplo para que os mais novos adquiram esse hábito, como em “Dos livros e da liberdade”.

Por fim, deixo a nota ao meu texto preferido, “Dos nomes provisórios às línguas que cruzamos”, talvez porque aqui se fale do ensino do português, mas sobretudo pela criação de uma nova identidade a partir de um novo nome.

Dora Nunes Gago lecionou durante 10 anos na Universidade de Macau. É autora de diversas obras, tais como Palavras Nómadas, Floriram por Engano as Rosas Bravas e A Sul da Escrita (Prémio Nacional de Conto Manuel da Fonseca). Tem publicado em diversas coletâneas, revistas e jornais, nacionais e internacionais, assim como agraciada com vários prémios literários.

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Novo Acordo Ortográfico
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