Os vizinhos do andar de cima nem sempre são o que parecem

Viver num apartamento significa que vivemos num edifício em comunidade e que os nossos comportamentos devem ser, acima de tudo, corretos e de urbanidade. Sermos proprietários de uma fração de um prédio não pressupõe sermos “senhores” de todo o prédio, mas sobretudo sabermos respeitar os outros vizinhos que podemos gostar ou não, mas temos de ser tolerantes e respeitar as diferenças. Nas sociedades modernas em que vivemos, em que a informação e a evolução dos comportamentos do homem ditam haver necessidade de termos dinâmicas de evolução e de inovação, perdeu-se um pouco a noção do que podemos fazer ou não fazer em sociedade.

Não posso deixar de comentar que, ao longo dos anos, sempre vivi em habitação de apartamento e que sempre tive como preocupação ter uma boa relação com os meus vizinhos, nem sempre foi fácil pelas características e formas de ser e de pensar de alguns, mas sempre consegui ter diálogo de vivermos em comunidade, noção de entreajuda e sermos solidários para preocupações e responsabilidades comuns.

Hoje vamos ao teatro conhecer a peça, já antiga, “Os vizinhos de cima”, um texto de Cesc Gay, cineasta e argumentista espanhol, que levou à cena esta peça pela primeira vez em Barcelona e que teve um enorme sucesso entre o público e crítica, na forma como aborda, em tom de comédia, as reflexões sobre a vida de dois casais, que vivem no mesmo prédio em temas pertinentes como: a convivência entre casais, como encaram o amor, a sexualidade e as aparências.

A história inicia-se quando um dos casais, Ana e Júlio, convidam o casal vizinho de cima, Laura e Rafa, para jantar na sua casa. Ana é proprietária de uma loja de roupa e Júlio é pianista e professor de música no conservatório. Por seu lado, Laura é psicóloga e Rafa é bombeiro, extravasam energia e alegria que contrasta com a estagnação e pouca vida do casal Ana e Júlio. Neste encontro, Júlio decide confrontar o casal Laura e Rafa com o fato de fazerem muito barulho, uma situação que Ana tenta minimizar a todo o custo.

A noite vai avançado, começamos a conhecer a personalidade e características de cada uma das personagens, os segredos dos vizinhos de cima vão sendo desvendados, apercebemo-nos que o casal anfitrião toma conhecimento das peripécias e loucuras sexuais dos seus vizinhos de cima. Isto conduzirá inevitavelmente a uma reflexão do casal anfitrião, a nível da sua relação amorosa, onde predomina a falta de diálogo, existe repressão e tende a entrar numa espiral de monotonia.

A perceção que tomam da vida do casal de cima, começa a questionar a relação do casal vizinho de baixo e nas decisões eminentes que vão eventualmente tomar. O grande desafio de retratar esta narrativa em tom irónico e com momentos repletos de humor que deslizam por uma gargalhada descontraída, é principalmente falar sobre as relações entre homens e mulheres, tendo por vivência e base, a vida diária de um casal comum.

Esta luta de vivências boas e de adversidades é, também, uma experiência única e um desafio constante que os casais propõem-se superar. Mesmo com muitas dificuldades e inúmeras provas, os casais continuam a tentar viver em conjunto, debatendo-se com as várias dúvidas, riscos e com alguma flexibilidade, diria até em alguns casos, com algum sentido de humor para falarem sobre este tema sem tabus ou juízos pré-concebidos.

Viver em casal, pode ser para alguns, viver diariamente entrincheirados em consecutivos pretextos, preconceitos, dúvidas infinitas na questão de saber estar e relacionar-se em casal.

Esta peça de teatro voltou a reunir atores sobejamente conhecidos pela forma humorística dos seus papéis e que já conhecemos, entre eles: Ana Brito e Cunha, Fernanda Serrano, Rui Melo e o saudoso Pedro Lima que deixou-nos em 2021. A encenação ficou a cargo de Maria Henrique e tradução de Maria João Rocha Afonso.

As relações entre casais não são fáceis, alguns vivem muito da ilusão, das aparências e, nem sempre preparados para sobreviverem ao desgaste do tempo e às dificuldades sempre constantes. É sempre um risco que valerá a pena correr se quisermos…

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Em casa do Marcelo

Next Post

Sex and the city?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

Read next

Room, de Emma Donoghue

Original, poderoso e soberbo, Jack é inesquecível: a coragem e o imenso amor numa história perturbante contada…
RM_room_destaque

Sotaques

Estava sentada num café de Lisboa, com uma meia de leite quentinha na mão, a tentar combater o frio que trazia…