+1 202 555 0180

Have a question, comment, or concern? Our dedicated team of experts is ready to hear and assist you. Reach us through our social media, phone, or live chat.

Os tempos tristes que correm…

Li esta semana com pesada amargura a carta de desabafo sentido de Maria do Céu Guerra:
“Não sei se este é o meu último espectáculo. A amargura com que vou estrear este belo texto de Nascimento Rosa – nonagésima produção da Barraca no seu trigésimo sétimo ano de trabalho ininterrupto – não é suportável nem admissível.
Nenhum governo tem o direito de ser tão desproporcionado nas suas medidas e tão arbitrário nos seus fundamentos.
Depois do nosso trabalho ter viajado no País, na Europa e fora dela recolhendo distinções especiais e um carinho que estes funcionários de quem depende a sobrevivência de companhias como esta estão longe de saber o que é.
Vemos que os Comissários de Cultura que gastam na administração dos seus sumptuários gabinetes, nas consultas jurídicas que lhes respaldem os embustes e nas embaixadas milionárias em que transportam coisa nenhuma, a grande parte do orçamento que têm para administrar e fomentar a Criação Artística, aguardam ansiosos que A Barraca dê o seu último suspiro.
Estamos num país de Inveja e Histórica Mediocridade. Por que razão seria agora diferente? Desviam-se os olhos do vizinho que jaz no passeio, na pressa com que estamos de chegar ao conforto do lar.
Como disse Sttau Monteiro “ um país onde se cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos”.

Eça de Queiroz dizia algumas verdades sobre este assunto como “O apreço exterior pela arte é a sobrecasaca da inteligência”, ora se o apreço é isto, o desamor pela arte será o seu contrário.

É com uma tristeza desmesurada que li e senti o que lhe vai na pele e na alma. É com alma que Maria do Céu Guerra sempre representou e ninguém pode questionar o seu valor único como actriz e como pessoa. É de uma injustiça que me lacera saber que o Teatro – A Barraca pode vir a fechar portas, por um governo que só nos sabe fechar a porta. A imagem de um país, como se de um edifício se tratasse, cheio de portas fechadas na cultura assusta-me, pois o povo não sabe e não quer ver que ao cortar na cultura e na educação o estado ganha armas poderosas de ditames que só lembram a época mais negra da nossa história. Se bem sei reflectir nas memórias de um mundo que caminha com pernas de arrogância sempre em cima da inveja, perpetuamente me recorda que ao longo da história universal, sempre que algo vai muito mal, dá-se a facadinha final e constantemente nos mesmos, artistas e professores. As razões que levam um estado a este tipo de racionamento são as de um estado podre de espírito, pobre culturalmente e rico em ditames, impostos e outros que tais. Se cortarem as pernas ao povo, como já o estão a praticar, talvez este povo deixe de ter “o saber” para poder lutar contra determinado regime. Porque a educação, como a cultura são armas do pensamento livre e ao torná-lo menos livre ou, inexistente é bem mais fácil engrupir o Zé Povinho de que as medidas de um estado-pai-tirano são as mais acertadas.

Eça de Queiroz bradou aos céus em 1888 da sua alta intelectualidade – mas acho que ninguém o ouviu no país dos surdos-mudos, de memória vã e escassa – através da voz de Carlos em “Os Maias”: “A política! Isso tornara-se moralmente e fisicamente nojento, desde que o negócio atacara o constitucionalismo como uma filoxera! Os políticos hoje eram bonecos de engonços, que faziam gestos e tomavam atitudes porque dois ou três financeiros por trás lhes puxavam pelos cordéis (…)”.

Talvez, agora, já não sejam apenas dois ou três financeiros os maquetistas. É pena que os políticos sejam meras, pequenas marionetas. Ora, se a política e os políticos são isto, então será sempre prática comum atentarem contra instituições que não o são, para sua própria protecção e defesa. Se a cultura e a educação são pilares de uma sociedade justa, humana, solidária e igualitária, estas bases serão sempre um alvo a atacar em primeiríssimo lugar, a bem de um estado que não é de direito e assim muito dificilmente o será. Por princípio, o estado deve defender os mais fracos e não agir em prol dos mais fortes, mas há muito que assim não é. No dia em que a cultura, a arte e a educação forem um animal em vias de extinção, também esse país será um país em vias de se extinguir.

Share this article
Shareable URL
Prev Post

Vermelho Sangue: achados arqueológicos Maia

Next Post

Retoma norte-americana: uma miragem ou realidade?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.

Read next

Procura-me, Parte I

Mal teve tempo de atirar a garrafa de Jack Daniel’s para o fundo da gaveta da secretária quando ouviu…

Atirar à sorte.

No próximo dia 4 de Outubro há eleições legislativas para escolher o futuro primeiro ministro de Portugal e o…

Sangue do meu sangue

Foi crescendo devagarinho. Primeiro um insulto. Depois um safanão. O cabelo puxado com força. A mão assente na…