Os olhos estão fechados

Quebra-se um fio qualquer.

Silencioso, ninguém parece notar.

Estilhaça-se num segundo e é como se duas mãos agarradas se separassem – talvez seja só por breves instantes, talvez se separem mas continuem a roçar-se, talvez seja tão importante que alguém cairá de um precipício. As mãos que se agarravam decidiram largar-se.

Mas ninguém morre, porque o precipício afinal era só uma cova na areia. Parecia infinito, mas não é. E talvez a queda nos magoe durante mais tempo daquele que gostaríamos de admitir, mas somos capazes de levantarmo-nos e sacudirmos a areia. Engolir a vergonha e continuar a passear na praia.

As coisas eram e não são mais. As pessoas eram e não são mais.

Ou foram.

Foram. Pretérito perfeito, porque acontece não voltarem a ser. Foram importantes e deram-nos o que podiam, nós fomos importantes e demos o que podíamos. Agora só resta a liberdade de andar para a frente, ou de retroceder alguns passos para depois correr e voar. Temos de aceitar e combater as dores de barriga, as náuseas, as raivinhas.

Tocamos num espelho mas é fumo. Afinal é fumo. Não faz mal, seremos capazes de nos cruzar com muito mais daquilo que podemos calcular. A vida continua a valer a pena se não nos rendermos. Cada um com as suas verdades e com as suas realidades. Grito para aceitar que tudo gira e muda, que minuto a minuto se formam novas verdades e que só magoa se ficarmos a remoer no drama das verdades antigas, desaparecidas, fósseis. Recordo do que já não é.

Os olhos estão fechados a descansar. Tanta sabedoria de olhos fechados. A cabeça sabe tanto que depois não põe em prática… E quando toco o coração, as espinhas são difíceis de arrancar. Respirar e reler, reler, relembrar, até ser uma verdade absoluta. Até o coração deixar de bater nos ouvidos. Até o pretérito ficar, decididamente, perfeito. Aí já só restará aproveitar aqueles que continuam a ser presente.

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