No início da semana, numa crónica muito divertida e satírica no P3, que já teve mais de 376 mil leitores, Susana Almeida Ribeiro escreveu sobre hábitos de pessoas com filhos, em contraposição aos de pessoas sem filhos. Rapidamente, o artigo foi partilhado pelas redes sociais, recolhendo muitas opiniões contra e a favor, quer do “ter filhos”, quer do “não ter filhos”. O que me traz a este tema não é tanto a crónica, que até achei divertida, mas sim o tipo de reacção que ela trouxe e o que me fez reflectir.
Não sou pai e não sei se algum dia serei, mas neste momento tenho diversas amigas que estão grávidas e vou tendo algum contacto com uma realidade que não me é assim tão conhecida. No entanto, ao ver muitos dos comentários e da postura de algumas pessoas, entendi um pouco melhor o porquê de Portugal ser um país envelhecido e com um enorme problema de natalidade.
Muitos de nós, nomeadamente aqueles que ainda não passaram pela maternidade, entendem-na como um fardo, como um peso, como uma responsabilidade acrescida que nos vai tirar a liberdade de podermos fazer uma série de coisas que até ali, teoricamente, eram normais. Vi em muitos comentários a frase “é por isto que não sou pai/mãe” e dei por mim a pensar que efectivamente, o problema, não está no ciclo natural que é ser pai ou mãe, mas sim na forma como olhamos a nossa própria vida.
No tempo dos nossos pais, que hoje estão na faixa dos 50-60 anos, assistimos a uma maternidade em idade jovem e assistimos também a muitos fins de casamento, precisamente, por sentirem que não aproveitaram os melhores anos das suas vidas, e, aos quarentas, praticamente passarem a viver uma adolescência tardia. Hoje, nós, na faixa dos 20-30 anos, somos uma geração marcada por um nível elevado de divórcios, ou de casamentos de fachada, de pessoas que não viveram. Hoje, nós, não queremos ser iguais.
Quando vejo os comentários e as partilhas, compreendo que olhamos a maternidade pelo nosso olhar do Ego, pelo olhar individualista que a sociedade instituída nos colocou durante séculos, e não pela bênção do gerar, amar, criar e educar um novo ser que pode fazer a diferença neste mundo, mas, principalmente, no nosso próprio mundo. Olhamos tudo com a perspectiva economicista da coisa, colocando logo inúmeros entraves e obstáculos, protelando a maternidade de forma a sermos pais tardios, porque nunca vai ser, realmente, o momento certo.
É o olhar que temos sobre a nossa própria vida que determina tudo o que somos e o que fazemos, nomeadamente o ter filhos. Saímos da escola e temos de ir para a Universidade. Saímos da Universidade e somos obrigados a procurar um trabalho que nos consome mais tempo do que o que conseguimos dormir. Com vinte e poucos anos não vamos querer assumir mais responsabilidades para além das que nos vão gerar o dinheiro que precisamos para as borgas e para as viagens, sendo que, muitas vezes, nem isso já é possível. O facto de sermos verdadeiros autómatos sociais leva a que o programa “Filhos” seja protelado para uma directoria escondida, esquecida e, muitas vezes, bloqueada do sistema.
Vejo, infelizmente, muitos pais e mães a culparem o facto de serem pais (sem se aperceberem que na realidade culpam mesmo os filhos) pela vida que não aproveitam, porque na realidade vêem a sua vida pelo olhar de uma sociedade que fala de natalidade, mas não a valoriza.
Verdade é que, se queremos fazer crescer a natalidade, temos de pensar numa perspectiva construtiva e co-criadora. Não podemos só contar com o Estado para nos dar subsídios disto, ou daquilo para alimentar as empresas que continuam a ter margens de lucro, muitas vezes, escandalosas. Passa também pela justiça nos valores dos produtos, das escolas e dos serviços ligados a crianças. Tudo é uma cadeia que precisa de mudar, mas, como sempre, o primeiro passo para essa mudança está em nós mesmos, na nossa mentalidade, na nossa forma de ser, de estar, no que acreditamos e no que temos para dar ao mundo.