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Os Chapéus de Chuva de Cherburgo

Por vezes acontecem-nos filmes que quebram a nossa resistência para se instalarem na galeria dourada das obras que levamos para a vida. Quer o devamos ou não à circunstância de termos vivenciado a obra num momento particular da nossa vida, ela – a obra – fica gravada em nós como uma experiência da infância.

Não gosto de musicais, sobretudo se forem cantados do início ao fim: são para mim ridículos, irritantes e aborrecidos. Isto nada tem a ver com preconceito, mas com o contrário, o “saber de experiência feito” pois, à conta de ver tantos, fui formando opinião e conhecendo os meus gostos. Quanto aos outros musicais – aqueles que não necessitam de transformar numa melodia o aviso de que o personagem vai à cozinha fazer um café, para depois dar um beijo no ou na apaixonado(a), seguindo o relato cantado da sugestão para um passeio de carro – a história é outra, e Música no Coração (por exemplo) é um dos filmes da minha vida.

Chapéus de Chuva de Cherburgo é uma excepção.

A história é do mais cliché que podemos apanhar – Em Cherburgo, uma menina, filha da dona de uma loja de chapéus de chuva, tem um pretendente pobre que parte para a guerra e na sua ausência, a mãe tenta juntá-la com um pretendente rico que entretanto visita a loja. O primeiro regressa da guerra e…

Jacques Demy venceu a Palma de Ouro em Cannes em 1964 com esta obra cantada do início ao fim. Para aguentar um filme destes, a música não poderia ser deixada ao acaso e Michel Legrand tem aqui, provavelmente, a sua primeira grande marca no cinema. Catherine Deneuve, no papel de Geneviève, tem um dos primeiros grandes papéis da carreira e todos os movimentos, trabalho de câmara (a partida do comboio da estação de Cherburgo), cenários multicolores e ambiente demonstram o enorme mérito deste grande realizador, precocemente vitimado pela Sida aos cinquenta e nove anos.

Contudo, não estaria hoje a escrever estas linhas se não tivesse visto o filme no momento certo, por volta de 2011-2012, e se aquele final não me tivesse atingido da forma que o fez. Saquei o filme por conselho do Vitor, um amigo que achou que a história (e o seu desfecho) trariam algo à minha vida daquele momento. Mais tarde, voltei a vê-lo numa sessão de cinema ao ar livre na Casa da Achada, Mouraria. O mesmo estremecimento, estarrecimento, e a certeza de que a minha paixão pelo cinema é mesmo algo que não herdei de ninguém mas fui construindo ao longo da vida.

Tantas são as vezes que um fecho mal apertado pode estragar um livro ou um filme. Noutras ocasiões salva-o. Neste caso consegue elevar-nos (ainda mais), transformando um simples musical melodramático em algo muito mais sério. É a Arte a alertar-nos que o valor do que nos acontece depende da atenção que dedicamos e do momento por que passamos. Ainda bem que vi Os Chapéus de Chuva de Cherburgo naquela altura da minha vida pois não é fácil guardar obras tão profundamente após passar a fronteira da maioridade.

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