Operação Nariz Vermelho

Não pedem licença antes de invadir e destruir, espalham-se em metástases, provocam uma dolorosa morte e afligem os parentes mais próximos. As luzes ao fundo do túnel são inócuas, vêm devagar, iludem ao caminhar pé ante pé, mas nunca mais chegam. As alternativas começam-se a esgotar e o amor, a força da mente e a atenção começam a ganhar contornos jamais pensados.

De entre as dezenas e dezenas de leituras de Beatriz Quintella, uma despertou a sua atenção – visitas (atípicas) feitas a crianças hospitalizadas. Não era o avô, ou a avó, a mãe, ou o pai, ou até mesmo o primo que não víamos há meia dúzia de meses. Não era “o caminho das pedras”, era a felicidade trazida em bandeja. A figura dos Doutores Palhaços tornava-se a regra da alegria para crianças hospitalizadas nos Estados Unidos da América.

Comemorou, em 2014, 10 anos que nasceu, em Portugal, em pleno Dia Internacional das Crianças Inocentes Vítimas de Agressão, o desígnio idealizado por Beatriz Quintella – a Operação Nariz Vermelho. Como à época, em Portugal, não existia semelhante acção, a fundadora voluntariou-se no Hospital D. Estefânia (Lisboa) para fazer rir e alegrar o dia das crianças doentes. Hoje já são 22 Doutores espalhados por 12 hospitais do país. O projecto assumiu clara relevância em 2001, quando a primeira Doutora palhaço recebeu uma contribuição magnânima da Glaxo SmithKline. Alavancou um trabalho com pernas para andar e com sorrisos para distribuir. O desafio passa, hoje, pelo crescimento desta Operação, valorizando cada gesto, humor, cada segundo de sorrisos, tendo esta a motivação de “levar alegria e felicidade à criança hospitalizada.”

ONV

Criada para espalhar alegria, a Instituição Particular de Solidariedade Social possibilita visitas regulares dos Doutores Palhaços às unidades pediátricas com um único fim – espalhar magia por entre camas enfermas. Para se ver sorrisos é preciso saber técnicas de animação e, sobretudo, conhecer as rotinas e procedimentos do hospital. A página oficial da Operação garante que “são artistas que ‘utilizam’ a imagem do médico na criação da sua personagem” e que “têm formação especializada no meio hospitalar e trabalham em estreita colaboração com os profissionais de saúde, realizando actuações adaptadas a cada criança e a cada situação.” Mark Mekelburg, co-fundador da Operação Nariz Vermelho e Doutor Pipoca, garante que “quando uma criança e um palhaço se encontram há sempre magia.”

Apesar de o ofício de Doutor Palhaço obrigar a uma vocação, também as doações obrigam a um dom. O dom e o espírito de entreajuda que só quem tem intenção de apoiar, demonstra. É possível fazer doações, inscrever-se como sócio da Associação, ajudar na angariação de recursos, ou até mesmo voluntariar-se para situações específicas. Beatriz Quintella, fundadora, considera que “uma criança que não brinca está desempregada” e que por isso é de extrema importância a magia e humor que são passados às crianças.

Patch Adams, o mentor da ideia Operação Nariz Vermelho, soma quase sete décadas de vida e mais de metade como médico. Inspirado na sua metodologia, nasceu não só a Operação, mas também o filme (fiel ao seu nome) que retrata a sua história. Relata a necessidade de existência de calor humano, com um tratamento feito claramente a pessoas e não a doenças. Adams garantiu, num programa da televisão brasileira, que o sorriso “faz parte de um contexto”, que a “amizade é o melhor remédio” e que os médicos existem para cuidar, não apenas para curar doenças. Embora a medicina esteja ainda muito enraizada a métodos convencionais, a evolução das mentalidades mostra que a direcção está a ir ao encontro de uma conexão entre o ambiente, o bem-estar, a saúde, a família e o mundo. Gera amor que se desenrola como uma bola de neve, vence obstáculos e não pára.

Jorge e Fátima Martins, pais de uma lutadora da vida, viveram durante três anos o tormento da leucemia de Beatriz Martins. “Antes de falecer não pediu para falar com mais ninguém a não ser com o Doutor Pipoca [Mark Mekelburg].” Foi dito ao Doutor palhaço que Beatriz já não tinha muito tempo de vida e, nesse imediato momento, Mekelburg falou ao telefone com a pequena lutadora de 6 anos e contou-lhe uma história. Beatriz faleceu no dia seguinte com o objectivo cumprido – falar com o Doutor Pipoca.

Semelhantes projectos e inspiradores para Beatriz Quintella são os Doutores da Alegria, no Brasil, e o Big Apple Sircus (projecto pioneiro do Doutor Palhaço) em Nova Iorque.

Fazem parte deste programa os hospitais Santa Maria, S. Francisco Xavier, D. Estefânia, Cascais, Garcia de Orta, Professor Dr. Fernando Fonseca EPE (Amadora Sintra), S. João, Pediátrico de Coimbra, Braga, Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão, Instituto Português de Oncologia e Instituto Português de Oncologia do Porto. Todos eles funcionam 365 dias por ano, não apenas nem épocas festivas como o caso desta quadra natalícia, e a cooperação pode ser feita em qualquer altura.

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Comments 1
  1. Eu que conheço o filme e a história deste médico que fez toda a diferença, na vida das crianças, digo que este artigo, lhe é fiel e uma boa homenagem.Parabéns 🙂

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