Observando a saúde em Luanda

Na semana passada, o jornal nova-iorquino The New York Times lançou uma reportagem que o português Público fez questão de divulgar no website. Encabeçado pelos repórteres Nicholas Kristof e Adam E. Ellick, a reportagem ‘Angola – o país onde morrem mais crianças’ mostra uma realidade até agora pouco conhecida para o resto do mundo.

Esta reportagem aborda uma realidade que se contradiz (luxo vs. miséria), mas que, ao mesmo tempo, faz matar crianças de forma extrema e, tal como se ouve várias vezes na peça, “desnecessária”, dado que se poderia evitar, pelo menos, 50% do mundo. Trata-se de ver os cuidados na medicina infantil e toda a prestação de serviços associada, no caso angolano, cheio de discrepâncias e de flagelos sociais. O local da abordagem é na capital, Luanda.

Que aspectos existem a realizar, após o seu visionamento?

Em primeiro lugar, denotar um estado de apatia. Nos hospitais, é normal haver meninos ou meninas a falecer. Qual a razão? Assiste-se a uma falta de equipamentos e instrumentos. Perante estas situações, os profissionais da saúde sentem-se incapacitados de fazer um trabalho digno de conceber melhores cuidados infantis, mesmo sendo subornados. Na reportagem, depois de uma criança falecer no momento, a enfermeira mostrava sentir a sua morte e acrescentava que “o hospital, às vezes, tem dessas coisas.”

Em segundo lugar, atentar nas diferenças socioeconómicas. Em particular, a cidade de Luanda tem muitas assimetrias. Ao longo da peça jornalística em causa, fala-se na condução de automóveis de alta cilindrada em contraponto com zonas de escasso acesso aos cuidados básicos. Tendo em conta que a mesma capital representa a cidade mais cara do mundo para se viver (onde alugar um apartamento pode custar 12 mil euros por mês), a pobreza e a fome assolam esses cenários de aparente riqueza e sumptuosidade.

Em terceiro lugar, olhar o fenómeno da corrupção. Há uns meses, Simon Kuper, para o Financial Times, descrevia a existência de uma “cleptocracia” no país angolano, no seguimento da publicação de um livro da autoria de um investigador na área das Ciências Políticas, em Oxford. Em Março de 2015, Rafael Marques de Morais, jornalista conhecido pelos seus trabalhos de activismo anti-corrupção, foi julgado por denúncias exercidas no sentido de denunciar novos casos; ao repórter Nicholas Kristof indica que “fazer a coisa certa tornou-se errado”. Na verdade, reporta-se, com a construção dos hospitais, são retirados elevados proveitos financeiros daí resultantes. Stephen Foster, cirurgião em missão há 37 anos, em território angolano, explica que “o Governo não investe o dinheiro necessário para mudar a situação.”

Em quarto lugar, reparar na variação da oferta dos serviços clínicos. No centro de Luanda, ainda se podem encontrar instalações razoáveis, muito embora as limitações técnicas justificadas pela orçamentação atribuída. Seguindo alguns quilómetros, em condições que não facilitam a circulação de transportes terrestres, uma aldeia no leste de Luanda, Foster indica poder-se recuar até 1750; o sítio é constituído por barracas de palha com o chão em terra batida. Aí, é entrevistada uma senhora que tem elevadas dores, sendo que a sua placa dentária se encontra bastante debilitada; o seu alívio é a ingestão oral de petróleo.

Em quinto lugar, perceber o que oferece o Governo no âmbito da saúde. De acordo com as palavras reproduzidas no vídeo, apenas o planeamento familiar é disponibilizado de forma gratuita aos cidadãos. Porém, com entraves: uma enfermeira, num centro de saúde, diz que não fornecem contraceptivos e estes só podem ser encontrados em feiras, no mercado negro.

O que entender desta exposição?

Por um lado, a existência de uma realidade negativa, aos olhos dos ocidentais. O conceito de Estado-Providência é colocado completamente em causa e os princípios de protecção e segurança são rejeitados. O Governo angolano prima pela exuberância de uma imagem aparentemente positiva na capital, desvalorizando territórios circundantes. A saúde é decadente: todos os serviços são pagos e já nem os subornos para garantir um melhor atendimento ajudam – 50% dos angolanos não têm acesso aos cuidados de saúde e uma em cada seis crianças falece antes de completar os seis anos de idade. A riqueza existe: mostra de automóveis altamente custeados, aposta em restauros de obras públicas e construção de novos edifícios (em especial, na capital), destaque de zonas bastante favorecidas, detenção de grandes fontes de petróleo e diamantes.

Por outro lado, uma forma de vida e de organização social características. De uma perspectiva filosófica, trata-se de uma forma de conceber hábitos, tradições, costumes, muito embora os olhos ocidentais e ocidentalizados reajam de forma repulsiva ou com o intuito de tentar mudar, se bem que de forma lenta, estas realidades.

Há que concluir com a visão sobre ambas as partes: o chefe de Estado e os cidadãos a residir em Angola. Se, de facto, José Eduardo dos Santos, chefe de Estado, e o povo angolano quiserem continuar com esta situação, será complicado manter a vivência da cidadania plena bem como garantir os cuidados mínimos para uma massa maioritária. De acordo com este e outros recursos sobre esta problemática, a apatia cidadã continuará a permitir este tipo de situações. Talvez esteja na hora de agir. Urgentemente.

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