O selo da privatização

Nas últimas semanas, temos assistido a diversos protestos e manifestações contra a privatização de empresas estatais, nomeadamente os CTT. Com mais, ou com menos razão, nota-se que existe um sentimento de perda do bem comum e que leva a que, rapidamente, trabalhadores e população em geral se sinta lesada nestes processos. Contudo, confesso que tenho dúvidas que a maior parte dos manifestantes reflicta sobre o que realmente acontece, ou irá acontecer num processo de privatização.

No início da nossa democracia pós-25 de Abril, um ímpeto de nacionalizações, fundamentada pelo princípio de abrir caminho a uma sociedade socialista, engordaram radicalmente o Estado, transformando-o, durante quase 40 anos, numa máquina devoradora de recursos. Quando, nestas últimas duas decadas, se desenvolveram processos de privatização, com vista a reduzir o peso da intervenção do Estado na economia, a esquerda levantou-se numa enorme defesa ao suposto bem comum, do qual muitos se alimentam, mas não certamente a população em geral.

Sempre defendi que as privatizações são um caminho precioso para o funcionamento da economia, embora também defenda que em diversos sectores o Estado pode ter participações e actuar sobre as decisões, acima de tudo, como um regulador, como um dinamizador, nunca como um empresário. Ao ser gestor, o Estado perde o foco no que é realmente importante, trabalhar, criar oportunidades e dinamizar, para que todos, sem excepção, possam crescer. Ao privatizar, o Estado repõe uma certa igualdade para com o sector privado. Veja-se, por exemplo, que se uma empresa do Estado, como muitas, tiver défices sucessivos (embora alguns digam que determinadas empresas não foram feitas para dar lucro), o próprio Estado tem de injectar capital para sustentar esse consumidor de recursos. Porém, se uma empresa privada estiver na mesma situação, os gestores são chamados à responsabilidade de encontrar uma solução de financiamento e, quem sabe, muitas vezes, encerrá-la. Admito que possam haver excepções, nomeadamente nos sistemas de saúde e educação e até em sistemas nacionais de transportes, ainda que não devam ter um descontrolo orçamental como tem acontecido nas últimas décadas. Apesar destas excepções, o Estado como gestor fomenta interesses e os tradicionais “tachos”, algo que dificilmente consegue-se contornar, na medida em que qualquer investidor contrata para cuidar dos seus negócios alguém, acima de tudo, da sua confiança.

Voltando aos CTT, creio que aqui está um caso curioso, na medida em que a função e a imagem desta gigantesca empresa tem vindo a modificar-se nas últimas décadas, adaptando-se a uma nova realidade da comunicação escrita. Há muito que os CTT não têm a função de ser o elo entre populações, locais, empresas, etc., hoje temos o telefone, o e-mail e o fax que retiraram essa função primordial à empresa. Hoje os CTT são uma máquina financeira, visível pelo peso dos Certificados de Aforro, pela quantidade inigualável de artigos que os balcões vendem e até por um operador de telecomunicações móveis. Por isso, longe vai o tempo em que os CTT eram um serviço básico do país. Por isso, esta empresa, rentável e que funciona bem, pode ser privatizada, não por ser um peso para o Estado, mas sim porque pode constituir uma oportunidade de encaixar capital e, através de meios privados, criar uma dinamização diferente e até encontrar novos mercados, crescendo e, quem sabe, mais tarde, criando postos de trabalho, duma forma que, provavelmente, o Estado enquanto empresa nunca conseguiria fazer, vejam-se os casos da PT, ou da EDP!

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