2013 foi o ano das abdicações europeias. Beatriz da Holanda (n. 1938) e Alberto da Bélgica (n. 1934) abdicaram do trono dos seus países a favor dos seus respectivos filhos e até mesmo o Papa Bento XVI (n. 1927) renunciou ao papado. Agora foi a vez do Rei de Espanha, Juan Carlos (n. 1938), abdicar do trono em favor do seu filho, o Príncipe das Astúrias, o seu único filho varão. Efectivamente, a de 2 de Junho, o rei terá enviado ao primeiro-ministro, Mariano Rajoy, a carta da sua abdicação. De acordo com o artigo 57.5 da Constituição espanhola, suceder-lhe-á o filho, o Príncipe das Astúrias, Filipe (n. 1968). A 11 de Junho, o Parlamento espanhol aprovou a sua abdicação, com 299 votos a favor, 19 contra e 23 abstenções.
Pese embora uma vida pessoal com bastantes pontos negativos para aquilo que se espera de um Rei, como a morte do seu irmão no Estoril, as diversas amantes e, ultimamente, as caçadas em África, Juan Carlos será recordado por muitos como o Rei que operou a difícil transição para a democracia. Todavia, as circunstâncias da sua vida pessoal aqui referidas terão sido agudizadas nos últimos tempos e, em particular, as suspeitas de corrupção que recaem sobre alguns membros da Família Real, nomeadamente do seu genro Iñaki Urdangarín. Embora a abdicação seja essencialmente alegada por motivos de saúde – basta relembrar as sucessivas intervenções cirúrgicas a que o monarca foi sujeito –, na verdade poderá tratar-se de um manifesto político, procurando revigorar a monarquia espanhola, visto o Príncipe das Astúrias colher maiores simpatias da opinião pública do que o seu pai e permitir inclusive a sobrevivência do regime monárquico. Basta relembrar a sondagem que o El País realizou no ano passado, em que 45% da população espanhola defendia a abdicação de Juan Carlos. O que os principais críticos não contavam era que seria precisamente a sua mulher, Letizia (n. 1972), cujos opositores criticavam o facto de ser plebeia, republicana, divorciada e ateia, que viesse a ter uma popularidade superior à própria monarquia, cifrada em 3,72 (em 10), de acordo com o Centro de Investigações Sociológicas (CIS), em Abril deste ano, contra os 7,46 registados em Março de 1994.

Todavia, se no contexto europeu actual a abdicação não foi um acto isolado, na própria história da monarquia hispânica não se pode dizer o mesmo. De facto, na história mais recente, houve apenas um caso de abdicação voluntária, a de Filipe V (1683-1746). Outro exemplo há, como a de Carlos IV (1748-1819) em Fernando VII (1784-1833), embora esta tenha sido uma abdicação forçada.
A monarquia em Espanha foi restaurada com a Constituição de 1978. Relembremos que o regime monárquico fora abolido em Espanha em 1931, reinando então Afonso XIII (1886-1941), em parte consequência do apoio que este dera ao governo ditatorial de Primo de Rivera (1870-1930), isto é, com o Parlamento fechado e a Constituição suspensa. Instaurada a segunda república (a primeira e curta experiência republicana ocorrera entre 1873 e 1874) e a família real exilada, o país ver-se-ia envolvido numa sangrenta guerra civil, que apenas terminaria em 1939, com a instauração de um regime ditatorial de cariz fascista, liderado pelo militar Francisco Franco (1892-1975). Este, em 1969, nomeava como seu sucessor Juan Carlos, neto de Afonso XIII. Não era, porém, o sucessor directo deste, visto o seu tio, Jaime (1908-1975), o segundo filho de Afonso XIII, ainda ser vivo, bem com o próprio pai de Juan Carlos, Juan de Borbon (1913-1993). Todavia, Jaime havia renunciado aos seus direitos ao trono de Espanha e aos dos seus sucessores e Juan apresentara desde sempre algumas divergências com o ditador Franco.
A 22 de Novembro de 1975, dois dias após a morte de Franco, Juan Carlos tornava-se então Rei de Espanha, através do seu juramento nas Cortes Espanholas, e, em 1978, o novo regime era ratificado com a assinatura da Constituição da monarquia espanhola. Trata-se, portanto, de uma monarquia hereditária, instituída na pessoa de Juan Carlos e dos seus legítimos sucessores, cujas bases jurídicas foram estabelecidas na tradição histórica espanhola. A pessoa régia é inviolável, não estando sujeito a responsabilidade.
A abdicação supõe a renúncia ao exercício do poder político que se conferiu ao monarca e, como tal, a perda da condição como rei. Esta transferência de poderes para o seu sucessor ocorre de igual forma por ocasião da morte do Rei, o que significa que Filipe é já Rei de Espanha desde o momento da abdicação do seu pai, embora se tenha tornado efectiva no dia de hoje, em que se assistiu ao juramento do novo Rei. Em Espanha, tal como no Portugal monárquico, os reis não são coroados, nem ungidos com óleos sagrados, pelo menos desde a Idade Moderna, como acontece em Inglaterra, ou acontecia em França. O juramento é a mais importante cerimónia régia, que realça a imagem real e legitima o seu direito ao trono. Os reis em Espanha são-no por nascimento e não por juramento, embora seja uma forma de demonstrar o cumprimento do direito consuetudinário e também da própria Constituição.
Às 18 horas de ontem, dia 18, Juan Carlos sancionou a lei orgânica que fez efectiva a sua abdicação, no Congresso, onde estiveram presentes 150 convidados institucionais. Às 10:30 da manhã de hoje, dia 19, teve então lugar a cerimónia no Congresso. Estiveram presentes os novos Reis, Filipe e Letízía, a Princesa das Astúrias D. Leonor e a Infanta D. Sofia, a Rainha D. Sofia e a Infanta D. Helena. A Infanta D. Cristina que, desde Novembro de 2011, devido ao escândalo de corrupção financeira no qual o seu marido terá estado envolvido, não esteve presente em qualquer das cerimónias. O grande ausente foi Juan Carlos, de forma a dar o maior protagonismo ao novo Rei. Também não houve convidados internacionais, como chefes de Estado, ou os representantes das Famílias Reais europeias.
Filipe vestiu um uniforme de gala do Exército e, ao contrário do juramento de seu pai, não existiu crucifixo junto à coroa e ao ceptro, os símbolos da monarquia espanhola utilizados desde o reinado de Isabel II de Espanha (1830-1904). Seguiu-se uma parada militar defronte da escadaria principal do Congresso e um cortejo pelas ruas de Madrid até ao Palácio Real, no qual a Família Real saudou o povo madrileno, a partir da varanda principal do palácio. Às 13 horas houve uma recepção no Palácio, recebendo os novos reis os cumprimentos na Sala do Trono. Os convidados rondaram um milhar, aproximadamente o mesmo número dos habituais convidados para o dia da Festa Nacional, a 12 de Outubro.
A abdicação encerra consigo algumas consequências jurídicas e outras transformações a nível protocolar. Sendo certo que a figura de Filipe passa a ser inviolável, de acordo com a Constituição, ainda não é certo o que acontecerá com Juan Carlos. Muito provavelmente apenas manterá a inviolabilidade da sua pessoa relativamente ao período em que foi Rei.
Quanto a títulos, tanto Juan Carlos, como D. Sofia manterão o título de Rei e Rainha de Espanha e o tratamento de Majestade, embora com as honras idênticas aos dos herdeiros da Coroa Espanhola, nomeadamente aos Príncipes das Astúrias e seu consorte, respectivamente. Ainda assim, a nova ordem de precedências coloca-os imediatamente depois aos descendentes do novo Rei, Felipe VI, isto é, após a nova Princesa das Astúrias, D. Leonor, e da Infanta D. Sofia. Em contrapartida, D. Leonor, receberá, para além do título mencionado, o tratamento de Alteza Real e todos as restantes títulos vinculados ao sucessor da Coroa. Será, por isso, também Princesa de Viana e de Gerona, Duquesa de Montblanc, Condessa de Cervera e Senhora de Balaguer.
A própria composição da Família Real mudará, passando a ser composta pelos novos reis e seus descendentes, tal como acontece actualmente, em que as irmãs de D. Juan Carlos são apenas consideradas como familiares do Rei.
Provavelmente, haverá também alterações na lista civil da Casa Real. Em 2011, Juan Carlos receberia trezentos mil euros anuais, enquanto que Filipe receberia 146 mil euros anuais. D. Sofia, Letízia e as infantas Elena e Cristina repartiriam cerca de 375 mil euros.

Segura é a transferência de algumas das jóias da Coroa Espanhola de D. Sofia para Letízia, denominadas “jóias de passar” pela Rainha Vitória Eugénia (1887-1969), que as fixou como sendo aquelas que apenas as Rainhas de Espanha poderão usar, nomeadamente o Diadema flor-de-lis, oferta do seu marido Afonso XIII no dia do seu casamento e que a Rainha Sofia usou na última cerimónia oficial, enquanto Rainha, no jantar oferecido ao Presidente do México, Enrique Peña Nieto.