O whisky é uma bebida incompreendida pela maioria das pessoas. O seu carácter complexo afasta-nos dele e a ideia de que está destinado a ser apreciado apenas por homens de meia-idade, numa qualquer sala cheia de fumo, enquanto se discutem negócios, não podia estar mais longe da verdade. O whisky é cada vez mais atractivo para os jovens adultos, aqueles que abandonam o beber por beber e preferem beber para saborear, pelos seus variadíssimos sabores, cores e texturas. Vamos conhecer o whisky?
Antes de mais, talvez, seja necessário explicar como é feito o whisky e os três tipos que existem. O whisky, tal como a vodka, o gin, o rum ou a tequila, é uma bebida destilada. Ou seja, é obtido através da fermentação dos grãos de cereal em água, criando uma mistura (mosto) que contem álcool e impurezas. Essa mistura é depois aquecida, de modo a que a água e o álcool evaporem e condensem para um recipiente. De forma simples, isto é a destilação. O whisky tem três grandes tipos: o whisky de malte, o de grão e o misturado (blended). O whisky de grão, é feito a partir de cereal não-maltado, ou seja, não foi permitida a germinação parcial do cereal. Nestes incluem-se os whiskies americanos (o Bourbon e o Tennessee whiskey), e alguns whiskies irlandeses. O whisky de malte, é feito através de cereal maltado, ou seja, foi permitida a germinação parcial do cereal. Nestes incluem-se a larga maioria dos whiskies escoceses. Finalmente, o whisky de mistura (blended) é uma mistura ou só de maltes ou maltes e grão, onde estão incluídos os mais vendidos whiskies.
O leitor mais atento, irá notar que usei whisky e whiskey. Ter-me-ei enganado? Não, não enganei. Apesar de se lerem da mesma maneira e serem a mesma bebida, as diferenças existem e são largamente acentuadas. A primeira grande diferença é a linguagem. Os americanos e irlandeses preferem chamar whiskey, enquanto o resto dos produtores de whisky (Escócia, Canada, Austrália, Japão etc.) chamam whisky. A segunda grande diferença é o cereal usado. Os chamados whiskies americanos (american whiskey) usam o milho, o trigo, a cevada e o centeio para fazer a destilação. Os restantes usam, na sua larga maioria, apenas a cevada. A terceira grande diferença são os critérios legais que cada país produtor impõe. Por exemplo, só é whisky escocês aquele que for fermentado e destilado na Escócia e envelhecido por um mínimo de 3 anos em pipas de carvalho. Enquanto o Bourbon, tem de ter pelo menos 51% de trigo para se poder chamar assim. Citando Orwell, “todos os animais nascem iguais”, mas, felizmente, nem todos os whiskies são iguais.
Foquemo-nos agora não no berço de nascimento do whisky, pois esse perdeu-se no nevoeiro das História, mas naquele país que é mais emblemático para o whisky, a Escócia. Apesar do primeiro registo de whisky na Escócia datar de 1495, o whisky está enraizado na cultura e vida escocesas, sendo aliás, em algumas zonas, o maior empregador. Da mesma maneira que em Portugal qualquer motivo é um bom motivo para abrir uma garrafa de vinho, também na Escócia qualquer motivo é um bom motivo para abrir uma garrafa de whisky. E, felizmente, há muita escolha para todos os gostos. À semelhança dos países produtores de vinho, a Escócia tem 6 grandes regiões de whisky: Campbeltown, que ocupa sensivelmente metade da península de Kintyre; as Lowlands, que ocupa o sul da Escócia; o Speyside, uma zona no nordeste escocês que é cortada ao meio pelo rio Spey, e que actualmente alberga a grande maioria das destilarias; Islay, que ocupa a ilha que lhe dá o nome situada nas Hébrides Interiores; as Islands, que ocupa as restantes ilhas da Escócia; e finalmente as Highlands, que ocupam o resto do território dos poetas-guerreiros. Há quem considere que Islay faça parte das Islands e há quem considere que as Islands fazem parte das Highlands, considerando Islay uma região própria, pessoalmente acho que são regiões distintas, dai que considere que existam 6 e não 5 grandes regiões.
Então, quais são as diferenças entre as regiões? Muitas das diferenças entre as regiões são provocadas pelos processos de destilação, pela terra onde o cereal cresceu, pela temperatura, pela água usada na destilação, pela flora e até pelo barril onde é envelhecido e pelo tempo que é envelhecido. Os whiskies de Speyside são geralmente frutados, em especial da família das nozes, pouco fumados, e não é incomum haver whiskies envelhecidos em barris de Jerez, conferindo-lhe um carácter mais doce. Já os de Islay são, por sua vez, pesados, fumados e salgados, complexos e que nos desafiam a cada gole. Os whiskies das Lowlands, triplamente destilados, fogem do fumo e preferem os sabores suaves e elegantes como canela e caramelo. Imediatamente acima temos as Highlands, a terra da variedade, onde há de tudo desde o fumo ao floral. Campbeltown, aquela pequenina porção de terra ao fundo da península de Kintyre, onde o whisky é rustico e a lã, o sal, o fumo e a fruta se misturam na garrafa. E finalmente as Islands onde o sal e o fumo são senhores no whisky, mas também permitem que haja mel, urze e pimenta preta em alguns. E depois há os blends, que vão buscar influências a vários sítios para criar um whisky com uma nota diferente, seja ela exótica ou conservadora.
Finalmente, importa quebrar o maior de todos os mitos sobre o whisky, que é proibitivamente caro. Não estou a dizer que não há whiskies caros, claro que os há (há até um que custa mais de 150 mil libras). O que eu estou a dizer é que com um bocadinho de pesquisa e de conhecimento sobre o que se está a comprar, e estabelecendo um limite máximo de, por exemplo 100 euros, há todo um mundo de whisky bom para descobrir e ser apreciado.
E é por aqui que me despeço, dizendo que whisky deve ser bebido e apreciado. De preferência com boa comida, boa conversa, bons amigos e moderação. O que não exclui, de vez em quando, beber, em jeito de guilty pleasure, um bocadinho sozinho. Deixo-vos com a promessa de mais uns artigos sobre esta bebida tão variada e tão deliciosa.