O problema do país está no Festival da Canção

Esta semana tivemos a estreia de mais uma telenovela, que, se tudo correr bem, terá poucos episódios e rapidamente cairá no esquecimento. Na passada terça-feira, Fernando Tordo, nos seus 65 anos, emigrou para o Brasil, mais propriamente para o Recife. No dia seguinte, mais coisa, menos coisa, o seu filho, João Tordo, deixa ao seu pai um post no seu blog, num tom emotivo, que rapidamente o seu pai responde em tom ainda mais emotivo. Hoje, começa-se o desmembramento da história com uma notícia do Jornal i.

Portugal é expert em fazer grandes histórias à volta de coisas pequenas, o que me leva sempre a pensar no porquê de nunca termos conseguido fazer uma telenovela realmente genial, ou de nunca termos ganho o Festival da Canção (já voltarei a este tópico). Há alguns meses, à TVI24, Fernando Tordo, num tom revoltado, anunciou a sua intenção de emigrar por não concordar com o que estava a acontecer no país. Até aqui tudo bem e não seria de todo novidade, o que não falta por aí é gente revoltada. Simplesmente e duma forma nada revoltada, nem dramática, Fernando Tordo tomou uma opção e, segundo consta, inclusive já tem um trabalho a dinamizar um espaço cultural no Recife, pelas terras da Presidente Dilma (desculpem, não consigo escrever aquela outra palavra que ela “inventou”), muito próxima até dos ideais políticos do cantor.

No entanto, toda esta história me fez pensar nalguns pontos relevantes. Fernando Tordo teve um grande papel na música portuguesa nos anos 70, nomeadamente na música de intervenção. Nos anos 80, ainda teve mais uns poucos sucessos e até se pode dizer que os anos 90 foram simpáticos com ele. Porém, o facto é que, para mim, Fernando Tordo manteve-se estático no seu estilo e não soube, de alguma forma, como alguns cantores seus contemporâneos, reconstruir-se. O que Fernando Tordo fez, ao longo da sua vida, foi tomar opções e decisões, assim como o fez, quando saiu do país. Por isso, não se justificam nem 10% dos comentários que as redes sociais tiveram, contra ou a favor, trazendo ora o ódio, ora a pena. Como muitos, Fernando Tordo é o reflexo de um mundo de hoje, que evolui rapidamente e pede readaptação, nomeadamente quando falamos de meios de contacto com o grande público. Não vi isso com Fernando Tordo, não vejo isso com Carlos Mendes e outros da sua época. Se perguntarem a um jovem, na casa dos seus 18-20, quem conhece destes nomes que indiquei e juntando à lista o nome de Jorge Palma, garanto que a maior parte só vai conhecer Jorge Palma (e eventualmente Tordo pela telenovela recente).

Portugal precisa de dramas e adora uma boa história, algo que todo este episódio consegue ser. Curiosamente, não foi esse o tom que Fernando Tordo colocou na sua quase “declaração oficial”. Para mim, o problema continua a ser o mesmo de sempre, o estigma da emigração e a ideia que Portugal maltrata os seus filhos e que a culpa é do governo, porque não cria condições para ter os seus delfins. Eu coloco sempre a mesma pergunta: mas será que é o governo e o Estado que têm de fazer tudo? Quantas pessoas eu vejo com vontade de arriscar e criar empresas e empregos, investir as suas vidas nos seus sonhos e muitas vezes comer o pão que o diabo amassou? Lembro-me, em 1998, mais coisa menos coisa, de um estudo comparativo entre alunos do ensino superior em Economia de Portugal e dos Estados Unidos da América em que uma das questões era qual o seu objectivo profissional ao terminar o seu curso. Os resultados foram surpreendentes, nos Estados Unidos 9 em cada 10 alunos tinha como objectivo criar a sua empresa, mas, em Portugal, era o inverso, apenas 1 em cada 10 tinha o mesmo objectivo. Hoje em dia, se chegar a 1 em cada 10 já é muito.

Voltando aos dramas, por estes dias, saiu também num belo jornal da nossa praça que a cantora Dora está a trabalhar num McDonald’s. Curiosidade de sair na mesma altura? Não me parece! Hoje ainda, continuando a novela Tordo, saiu uma notícia que a empresa que o cantor geria em Portugal, a Stardust Produções, recebeu desde 2008 mais de 200 mil euros por ajuste directo. A mulher do cantor já respondeu que desse valor o cantor só conseguir ficar com apenas cerca de 10%. Qual será o próximo episódio da telenovela?

O que realmente sinto pena é que em Portugal os jornais prefiram dar espaço a notícias que fomentam a pena e enaltecem a desgraça alheia (não que o caso da Dora seja desgraça, até acho uma atitude muitíssimo nobre e de grande humildade), em vez de gastarem os mesmos espaços a mostrar o que de bom se faz neste país, os projectos, as pessoas, os sucessos. Aos olhos da nossa comunicação social, Portugal parece um país em ruínas, mas eu vejo muita coisa boa a acontecer aí à volta. Sim, também há coisas mal feitas, políticas mal orientadas, muitas opções mal direccionadas, que também nos irão custar caro, tal como as políticas inversas de despesismo hoje nos custam, mas só enaltecer o mau é criar uma energia de pessimismo e de falta de dinâmica que é a última coisa que Portugal necessita.

Talvez um dia falaremos mais seriamente sobre estes temas, mas até lá quero deixar-vos com a mais importante conclusão que eu chego. Para mim, sinceramente, o problema é do Festival da Canção. Com certeza aquilo está embruxado, só pode, porque, tirando raras excepções, ninguém sai muito bem daquilo!

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