O peso da simpatia

O tempo nunca passou tão rápido como agora… As semanas, os meses, os anos voam, e tudo o que nos rodeia acompanha essa rapidez. Tanto falamos de coisas simples, do dia a dia, como por exemplo, estar dois meses sem ir à baixa e, de repente, quando lá regressamos, umas lojas fecharam, outras abriram; como falamos também da tecnologia: um computador ou um telemóvel sai para o mercado hoje e, daqui a nada, está a ser substituído por uma versão melhor e actualizada. Nada é a mesma coisa por muito tempo, tudo muda num ápice.

Parafraseando os intemporais “Xutos & Pontapés” e um dos versos de uma de suas músicas, “o que foi não volta a ser, mesmo que muito se queira” e se há coisas que gostaríamos que permanecessem inalteradas, pelo conforto que nos transmite a sua constância, outras há, que até agradecemos que mudem.

Uma dessas “coisas” que tem vindo, felizmente, a mudar é a educação. Isto é, a maneira como preparamos os nossos filhos para o futuro, os valores que lhes são incutidos bem como os seus direitos e deveres enquanto cidadãos.

Se, antigamente, havia uma rigidez quase militarista na transmissão de tais valores aos rapazes – respeito arrancado a ferros e patrocinado pelo medo -, o mesmo sucedia com as raparigas, sendo que estas últimas estavam ainda sujeitas a um sem número de regras extra que deveriam ser cumpridas escrupulosamente, tais como usar sempre saia ou vestido, de preferência abaixo do joelho, nada de decotes para evitar aquele ar banal e “oferecido”, proferir “palavras feias”, nem pensar. Deus nos livre! Raramente tinham permissão para sair e, se o fizessem, seria sempre sob a escolta de um irmão (essa tarefa seria ainda mais dificultada para filhas únicas), e se passasse um minuto que fosse da hora estipulada para o regresso, as boas-vindas eram feitas com um ar severo e de cinto na mão.

Estes eram também os tempos em que o papel da mulher era tão somente o de procriar e tomar conta do lar incluindo todas as tarefas que lhe são inerentes.

Os conselhos iam passando de mães para filhas, e eram sempre os mesmos: ser umas excelestes donas de casa, manter o marido (na maioria das vezes não escolhido, mas imposto) feliz, sorrindo, sendo simpáticas, fazendo-lhe todas as vontades quando e sempre que este quisesse e sem nunca o confrontar.

Daí a expressão “cama, mesa e roupa lavada”… Que marido é que se queixaria tendo sexo, boa comida e a casa sempre em ordem?

Porém, esses conselhos que passavam de geração em geração, não eram mais do que frustrantes tentativas de anulamento de seres humanos…

Então e a mulher, não tinha quereres?

Muitas certamente almejariam isso mesmo, talvez fruto do exemplo que tiveram e sem nunca terem conhecido outra realidade, mas outras haveria cujos objectivos seriam bem diferentes.

Nesse contexto e correndo riscos, houve quem fugisse a esse estigma, mas eram poucas as excepções e se não foram reconhecidas na altura, são agora aclamadas e valorizadas. Falo de mulheres que tiveram o arrojo de fazer o seu próprio destino, de seguir o seu próprio rumo ditando as suas próprias regras, enfrentado uma sociedade opressora num mundo repleto de “coisas” exclusivas para homens e que, para gaudio delas próprias e das gerações subsequentes, desempenharam o seu papel tão bem ou melhor do que um homem nas mais variadas áreas tais como ciências, letras, na medicina, na astronomia como revolucionárias e tantas outras.

E agora? Como está a educação na actualidade?

O peso que os nossos jovens carregam será igual? Maior? Menor?

A meu ver, os pesos ainda existem, e não são maiores nem menores, mas sim diferentes.

Com a constante e infindável luta pela igualdade de direitos, é comum hoje em dia vermos mulheres a desempenhar funções que antes eram “dos homens”, se bem que, em termos de remuneração, ainda existam diferenças.

No que diz respeito às tarefas ditas domésticas, também há cada vez mais homens a saber e a querer desempenhá-las, tendo em conta que a mulher passou a trabalhar fora de casa, houve a necessidade de se dividirem os afazeres e de se ajudarem mutuamente.

Porém há e haverá sempre um eterno fantasma: a maternidade.

Ainda existe, nos dias de hoje, uma discriminação latente relativamente ao facto da mulher querer singrar profissionalmente e querer ser mãe simultaneamente.

Sim, não é de todo uma tarefa fácil, e a disponibilidade será muitas vezes posta em causa, quer a disponibilidade para trabalhar, quer a disponibilidade para o papel de mãe.

E mais uma vez, os exemplos que se vão tendo por casa, vão servindo de matriz: pais muitas horas fora de casa a trabalhar e, como consequência, filhos muitas horas fora de casa nas creches, nos jardins de infância, nos ATL, nas escolas e colégios.

No final do dia, o cansaço e o acumular de tarefas não permite ter paciência para as crianças, ficando estas estregues a um ecrã de TV, de tablet, de PC ou de telemóvel. Tudo vale para haver sossego e, acima de tudo, silêncio.

Os miúdos vão crescendo, muitas das vezes sem rotinas e sem rumo, entregues aos seus hábitos fáceis e pouco saudáveis.

Quanto às regras extra das meninas, bem, essas, na sua maioria, estão já completamente ultrapassadas.

Com a emancipação da mulher, os maridos (ou companheiros, ou o que quiserem) já não são impostos, são escolhidos, têm ambos que procurar fazer o outro feliz, a “simpatia”, antes tão facilmente confundida com submissão, deu lugar à afirmação e ao confronto, e as decisões passaram a ser tomadas em conjunto.

Então e o que aconteceu à “simpatia”?

As mulheres deixaram de ser simpáticas?

Nada disso. A simpatia continua a existir, só que assumiu outros contornos. O que antes era uma simpatia de submissão passou a ser uma simpatia por interesse.

Toda a gente sabe que em situações banais do dia-a-dia, um sorriso simpático de uma mulher pode resolver muita coisa, desde uma cedência de passagem no trânsito, a passar à frente numa fila, a obter uma mesa junto à janela num restaurante e muitos mais exemplos haveria para dar.

Dentro da simpatia por interesse, há, ainda, a concordância com algo (mesmo que se discorde) só para se ser simpático, o chamado “ficar bem na fotografia”, concordar com amigos (se fossem verdadeiros amigos teriam liberdade para discordar), com patrões (para evitar o despedimento ou almejando uma promoção), sendo que este tipo de simpatia é comum entre homens e mulheres.

Neste momento, e infelizmente, estamos numa fase de declínio da simpatia. Já (quase) ninguém é simpático com ninguém, a simpatia, ou neste caso a falta dela, pode até ser interpretada como falta de educação.

E qual o motivo para tal? Modas? Influências? Pressão dos pares?

Muito provavelmente um cocktail perfeito de todas estas circunstâncias.

Temos que saber ser compreensivos. Mesmo que não aceitemos e/ou não concordemos com certas situações, temos definitivamente que saber respeitá-las, e, acima de tudo, saber acompanhar a evolução. Porém, não nos peçam para lidar com antipatia.

A simpatia não tem que ser encarada, nem pelas mulheres nem pelos homens, como um peso que se carrega, ou como um meio de controle. Ao invés disso, a simpatia deveria ser um canal comum a todo o ser humano de forma a ajudar na proliferação de actos de bondade, e, consequentemente, a ajudar a tornar a vida mais suportável e o mundo um lugar mais aprazível.

Nota: Este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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