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O Literalismo do Anticristo

Adoraram-no por ser o anticristo, agora apedrejam-no, porque o confirmaram. Debaixo do holofote estão os novos escândalos e denúncias sobre a persona Marilyn Manson, que tem estado sempre na berlinda, devido ao seu comportamento instável e estética provocativa. Várias mulheres denunciaram abusos por parte do cantor, uma delas Evan Rachel Wood. Começou a aliciar-me, quando era adolescente e abusou horrivelmente de mim, durante anos. Fui sujeita a lavagens cerebrais e manipulada até à submissão“, diz a atriz. Depois das suas denuncias, não tardaram outras e outras acerca do comportamento abusivo e agressivo do artista. Também o seu manager dos últimos 25 anos – Tony Ciulla – cortou relações com ele e a editora a que estava ligado desde 2015 (Loma Vista Recordings), poucas horas depois, saiu de cena. A última foi a agência de espetáculos que promovia as suas tournées. No entanto, será que Marilyn Manson nos mentiu acerca de si mesmo? Terão os fãs e as namoradas sido induzidos em erro, pensando que a estrela seria aquilo que não é? Não me parece. Senão vejamos…

Brian Hugh Warner, de 52 anos, cresceu no Ohio, no seio da Igreja Episcopal que a sua mãe frequentava. Seu pai, Hugh Warner, era veterano do Vietname, e, ao regressar, passou a ser vendedor de móveis e chamava-lhe Manson em vez de Brian. A sua mãe, Barb Warner, era enfermeira, sofria de alucinações, falava com ratos e dizia ver demónios aos pés da cama. Brian foi sempre uma criança de saúde débil. Teve 3 pneumonias, foi operado a pólipos no recto e teve de ampliar a uretra, pois era muito estreita e não conseguia urinar. Procedimentos invasivos e traumáticos em tão tenra idade. Para além disso, sofria de várias alergias e esteve perto da morte, devido a uma reação alérgica a uma das medicações que fazia. Como o seu pai viajava bastante, por causa do seu trabalho comercial, Brian foi – sobretudo – criado pela mãe. Confessa que a maltratava e que ela não tinha qualquer poder sobre ele, desde cedo. Batia-lhe e a sua mãe não conseguia ter outra reação que não chorar. Esta é uma parte do passado que Brian Warner gostaria de ter mudado.

Durante a sua infância, descobriu que o avô usava roupa interior feminina e foi abusado várias vezes por um vizinho. Aos 8 anos, alguém entrou na sua casa e tentou asfixiá-lo com uma almofada. Desde então, nunca mais dormiu sem luz acesa. Ao crescer, vítima de bullying, sem amigos e introvertido, tornou-se um adolescente anti-social, cheio de problemas de personalidade. Foi enviado para a Heritage Christian School, uma escola religiosa onde o temor era fomentado através de visões infernais e da culpa que o pecado carregava. “Encheram-me de medo. Medo do Armagedão, medo do Inferno, medo que me aparecessem demónios debaixo da cama por ouvir Heavy Metal”, diz. Por causa de tudo isto, quis destruir o mundo onde vivia, porque o odiava. Perdeu, entretanto, a mãe e, depois, o pai já em 2017.

Antes de ser artista já tinha nome de palco. A sua persona de Marilyn Manson juntava as polaridades da luz e da sombra, o bem e o mal, Marilyn Monroe e Charles Manson. Ainda não tinha ascendido como “Anticristo Superstar”, em 1996, já cantava temas que descreviam a falsidade da família americana perfeita e o bullying de que foi vítima. Como o tema “Lunchbox”, lançado em 1994. Marilyn Manson foi tudo menos hipócrita. Usou a sua persona para gritar ao Mundo o ódio que sentia, o vazio, a tristeza. Nunca se disfarçou de galã, nunca simulou o equilíbrio psicológico, nunca prometeu ser um modelo de virtudes. Brian Warner falava através de Marilyn Manson, numa espécie de catarse onde exibia as suas cicatrizes. Todos nós o sabíamos. Em caso de dúvida, olhemos para as letras das suas canções.

I was born into this / Everything turns to shit / The boy that you loved / Is the man that you fear

(eu nasci nisto, tudo se transforma em merda. O rapaz que amaste é o homem que temes – in “The Man That You Fear”, 1996).

And I don’t want you and I don’t need ya / Don’t bother to resist, or I’ll beat ya / It’s not your fault that you’re always wrong / The weak ones are there to justify the strong

(E eu não te quero e não preciso de ti. Não te dês ao trabalho de resistir ou eu bater-te-ei. Não é tua culpa o facto de estares sempre errado/a. Os fracos estão lá para justificar os fortes – in “The Beautiful People”, 1996).

Today I’m dirty, I want to be pretty / Tomorrow, I know I’m just dirt / We are the nobodies, we wanna be somebodies / When we’re dead, they’ll know just who we are

(Hoje estou suja, quero ser bonita. Amanhã, eu sei que serei apenas sujidade. Nós somos os ninguém, nós queremos ser alguém. Quando morrermos, eles saberão exactamente quem somos – in “The Nobodies”, 2000).

Maybe I’m just a mystery / I can be your misery (…) We are sick / Fucked up and complicated
We are chaos / We can’t be cured

(talvez eu seja apenas um mistério. Eu posso ser a tua miséria (…) Nós estamos doentes, f*didos e complicados. Nós somos caos. Não podemos ser curados – in “We Are Chaos”, 2020).

Entre as críticas sociais que sempre fez, Manson sempre se assumiu como estragado. Partido. Quebrado. Alguém que usa e abusa das pessoas nas suas relações. “Are you alright, cause I’m not ok” (Estás bem? Porque eu não estou ok) pergunta no seu último álbum (2020). Alguém irremediável que tem noção da dimensão dos seus problemas, mas que não se quer tratar. Não é incomum na prática clínica que faz parte do meu trabalho, recebermos pacientes extremamente conscientes e inteligentes que não querem medicação psiquiátrica. Aqueles com mais insight sabem que melhorarão, efetivamente, mas que poderão sofrer alterações cognitivas. Para alguém que vive das suas introspecções, mergulhado num mundo interno de monstros ctónicos, não é fácil sugerir uma castração criativa.

Não há violência que seja justificada. Não há perdão para a violência doméstica e para o abuso. Nunca. Nada será alguma vez justificação para a agressão. Tal como não houve perdão para os abusos de que Brian Warner foi vítima na infância. Contudo, não posso deixar de me perguntar enquanto clínica… Depois de tudo isto, qual é a mulher que voluntariamente se aproxima de Marilyn Manson para uma relação conjugal e espera algo diferente? Como podemos nós aproximar-nos de alguém que não esconde o que é e continuar a idealizar um mundo que não seja caótico e violento? Sempre soubemos o que o “filósofo do industrial” tinha passado para lhe conferir este rasgo de génio niilista que adoramos. Manson nunca escondeu os seus problemas do mundo. Quem o seguia antes, fazia-o porque ele representava o caos e a decadência do Anticristo. Agora que assistimos ao caos e à decadência que apregoava, vamos confundir a pessoa com o artista e deixar de seguir? O artista transcende a pessoa. Podemos valorizar o trabalho do artista sem ter nada a ver com a pessoa. E a realidade é que Manson está a faturar como nunca depois de todas as denuncias. Se foi uma golpada de Marketing, não poderei dizer. Mas a verdade é que Brian Warner é exatamente o que Marilyn Manson nos dá nos seus temas: Honestidade, violência, fragmentação, vazio, dor, trauma, ódio, crítica, drogas, niilismo, vida e morte. Manson nunca omitiu quem era. Não se aproximem do lobo se não querem ser engolidos.

Tatiana A. Santos

Analista Junguiana, Docente, Investigadora Académica

santostatiana@edu.ulisboa.pt

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