Quando se mistura uma boa distopia com um ensaio filosófico sobre a moral e a condição humana, o sucesso pode não ser o esperado. Actualmente, proliferam distopias caracterizadas por acontecimentos apocalípticos, onde os jovens têm um papel preponderante, ainda que seja alicerçado em heróis inseridos em planos de combate, com pouco ênfase para as discussões morais e intelectuais. Este não é o ponto de partida de Philip K. Dick. O autor pensa num ambiente global mais complexo, no que diz respeito à situação política. Em O Homem do Castelo Alto, os EUA que conhecemos não existem. Agora, são designados por Estados Pacíficos da América. O oeste do país é liderado pelos japoneses, o lado este é dominado pelos alemães e, por fim, numa zona neutra, ainda residem americanos, mas sem qualquer aspiração de domínio territorial.
E aqui começa a aventura literária. Estamos na década de 60 do século XX. O enredo surge, porque os EUA e os aliados perderam a II Guerra Mundial. Nesta dimensão de PKD, os alemães e os japoneses são as forças dominantes da civilização. Como consequência, a escravatura negra voltou e as pessoas são divididas por classes, consoante o seu nascimento. Numa demonstração de poder lunática, até o mar mediterrâneo foi dragado. Por fim, ainda que dominem a exploração do sistema solar, os alemães continuam a sua perseguição aos judeus.
O aspecto menos positivo do enredo, mas que não influencia a qualidade desta obra fantástica, revela-se na (quase) inexistência do próprio enredo. As várias personagens, que se vão tornando mais ou menos preponderantes, seguem duas linhas diferenciadas. Aqui reside a minha própria visão do livro – acredito que não existam duas visões semelhantes. Um dos caminhos leva-nos para um enredo político. Aqui, o enredo ganha alguma alma, porque existe a possibilidade de fazer a diferença numa história criada por PKD. O segundo caminho segue um caminho bastante subjectivo, onde o autor parece dar relevo a uma ideia de pluralidade. Não estamos sozinhos e a nossa realidade é escrita, passado, presente ou futuro, através de uma entidade invisível. Aqui, confesso, está a beleza do livro. Muito mais do que o ambiente distópico criado, menor do que em outras obras, o discurso do autor leva o leitor a uma introspecção curiosa. Será que o ser humano necessita de seguir o caminho escrito numa obra de relevo? Ou em duas? O que aconteceria se o mundo se libertasse dessas amarras intelectuais e mentais? O caminho seria o mesmo? É um livro indispensável.