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O Caso Insólito de Javier Milei

“Não venho guiar carneiros, venho despertar leões!”, grita Javier Milei a milhares dos seus apoiantes em 2021. O seu carisma ajudou a garantir três lugares ao partido libertário, La Libertad Avanza, na Câmara de Deputados da Nação na Argentina.

É uma figura polémica por várias razões: algumas cómicas, outras irreverentes, e ainda preocupantes. Começando pela imagem, é sem dúvida irreverente e criou uma personagem representativa da sua ideologia – General Ancap – que mereceu-lhe a fama de cosplayer e usa-a para doutrinar nas comunidades e eventos mais jovens, como a ComicCon. Auto-proclamado professor de sexo tântrico, com total relevância política, toma um atitude verbalmente agressiva contra a sua oposição, mas que ainda assim conquista eleitorado.

O status quo político não gosta de elementos que venham abanar o barco e com muito boa razão. A ascensão de Donald Trump ao poder impulsionou candidatos anti-sistema da direita à esquerda, destacando para efeitos deste artigo Jair Bolsonaro e André Ventura. Milei inspira-se nos primeiros dois na forma de comunicar política, colocando-se a jeito de ser considerado de extrema-direita por grande parte da comunicação social.

Se formos realmente pedantes, Milei alinha-se mal na extrema-direita, pois a nível económico e social tem uma posição bastante livre. O que assusta é o ser livre demais, ainda mais na história política da América-Latina, conhecida pela sua forte política de Estado.

No entanto, as inspirações à direita deixam a desejar, mais quando aliadas ao seu comentário populista, sem filtros, sem classe e com claro intuito em destruir a “Casta” que domina as elites políticas argentinas. O seu discurso “mainstream” é uma cópia do que temos vindo a habituar-nos desde 2016 no espetro da direita radical.

O Eleitorado

Em 2021 tive oportunidade de entrevistar o seu eleitorado. Embora tenha tido o prazer de ouvir homens e mulheres, estatisticamente, Milei atraía na altura um eleitorado mais masculino e descontente com a sua posição económica no país. Foi Fiorella Morales, universitária em Ciências Económicas, que apontou a inflação e a crise económica como os principais motivos para votar Milei. Acusava o governo de roubar através de obras públicas. Simpatizou com a vontade do candidato lutar para que o povo argentino fique no país, melhorando a situação económica baixando impostos, garantindo a propriedade privada, e defender os comerciantes espezinhados pela carga fiscal. Fiorella acrescenta que desde que começou a votar, votava em branco, mas Milei veio mudar isso.

As suas preocupações não são exageradas. Hoje a inflação anual da Argentina está nos 113%, e o Banco Central tem sido irresponsável. Em parte por culpa dos governos que têm sentido natural pressão a pedir empréstimos: quem empresta tem de ser pago, burocracias que mudam de mãos e têm que servir os novos tempos acabam reestruturadas, partidos da oposição fazem com que os governos invistam, e os eleitores simplesmente esperam certos serviços prestados pelo estado.

O Que Defende

Consegui abordar ainda um ex-polícia, Alex, que gostou dos planos para alterar o código penal. A Argentina é dos países mais seguros da América Latina, mas roubo e corrupção permanecem endémicos. Alex critica a mão leve da “Casta política” e mostra-se contra as promessas de saída por bom comportamento. Por exemplo, um roubo qualificado equivale a oito anos de prisão, mas pode ser reduzido para metade por bom comportamento. Isto mostra que Milei tem algumas políticas punitivas no seu programa eleitoral.

Esmiuçando um pouco políticas concretas, começamos pelo aborto. Alguns preferem comparar a posição anti-aborto como ultra-conservadora. Os libertários têm um argumento diferente: a liberdade tem como foco o direito à vida, e o aborto retira o direito à vida, logo o direito de ser livre. Aceitamos decisões sobre estes temas como “decisões de consciência”, logo são naturais as reações polarizadoras. O argumento libertário acaba por vir de um posicionamento legal e não estritamente moral, o que deixa certamente muito por debater.

Embora a política sem filosofia seja apenas um balão de ar, os libertários sempre tiveram dificuldade em popularizar as suas ideias às massas de eleitorado. Rapidamente assustam-no com as suas propostas novas em vez de criar garantias.

Milei também não surpreende quando chama o governo de ladrão e considera que o imposto é roubo. Quer desmantelar o Estado Providente porque este transfere decisões para os outros, em vez de responsabilizar cada indivíduo pelas suas próprias ações. Uma posição que alia à liberalização das drogas e imigração de portas abertas. Apenas lhe interessa que o Estado controle o exército, a polícia e os tribunais para garantir os direitos à propriedade privada. É uma estirpe do anarquismo libertário, chamada por Robert Nozick em Anarquia, Estado e Utopia, de Estado Mínimo ou Minarquia. Milei aceita que chegar lá é um processo longo.

Em entrevista ao The Economist, confessa que pretende eliminar subsídios de gás e eletricidade, reduzir transferências federais para as províncias da Argentina, acabar com as pensões privilegiadas pagas aos juízes do Tribunal Supremo, diplomatas e presidentes (promete recusar a sua), e substituir gastos em trabalhos públicos por um sistema de leilão, ou candidaturas, privado. Promete privatizar as 34 companhias públicas da Argentina, e reduzir ou abolir a maior parte dos impostos. Não tem problemas com sindicatos mas quer aumentar a competição na saúde e educação através de vouchers.

Outro Radical?

Estrangeiros vêm Milei como outro “Trump” e não é mal fundado. Primeiro a Europa não tem grande coisa a perder em hostilizar o candidato, e o status quo atual permite negociações diplomáticas com mais um potencial aliado no “Sul Global”. É também uma economia comparativamente pequena que não assusta nem a Europa nem os EUA.

Segundo já estamos a sofrer as consequências da política maniqueísta, cuja mudança surge através do caos, e ao contrário do prometido, incentiva a proibições ou ao braço de ferro com um status quo que se recusa a sair da estagnação (ex. Portugal).

Terceiro a política externa de Milei partilha o tom conspiratório contra as organizações supranacionais, ponde em risco a economia e as relações com os parceiros comerciais à sua volta. As posições de política externa dos libertários, dentro e fora da Argentina, tem sido mais que contrária, e sido contrariana, mostrando apoio a líderes – ironicamente – autoritários, graças ao cavalo de Tróia das guerras culturais.

A componente libertária de Milei torna-o então uma novidade na América Latina, e por isso soa alarmes. Em questões económicas é única, mas em questões morais está em muita sintonia com a direita. O populismo vem da clássica posição do povo vs. elites (Casta). No entanto, ao contrário de Bolsonaro ou Ventura, não mostra saudosismo por um tempo onde a ditadura estava em efeito, mas aparentemente tinha coisa boas a recuperar. No entanto, dentro do partido, há quem tenha uma relação com o mundo militar.

A crise económica desperta a vontade de acabar com o Banco Central e começar a dolarização da moeda. Não é a melhor altura para começar a falar em como seria ter órgãos humanos num mercado pouco regulado.

A classificação de Milei como extrema-direita vem de má-fé, cassete ideológica ou ignorância? Não me comprometo com a resposta. A tradição libertária de Milei coloca-o numa maior liberalização do mercado que o normal, mas inspira-se nas economias da Austrália, Nova Zelândia, Israel e Irlanda; as suas posições morais têm tantas semelhanças com o conservadorismo quanto o anarquismo. E as inspirações de comunicação encontram-se na direita-radical, e tem a aura diplomática de um diabo da Tasmânia.

Felizmente ainda não nomeamos presidentes de um país como nomeamos delegados de turma. Na minha opinião, o problema de Milei não está na maior parte das ideias. Está na fraca avaliação das consequências económicas da dolarização nas famílias, e efeito dos preços na privatização em massa das empresas públicas. A sua atitude arruaceira já tem bastantes exemplos práticos no globo, e o tem um efeito corrosivo no ambiente político e na diplomacia. Também não vejo nada de moderado em algo com “Anarco” no nome, ainda que eu tenha um amor eterno por cyberpunk e a minha utopia encaixe no Minarquismo.

Nem todos os políticos radicais são iguais, mas fora da Europa, Javier Milei é certamente dos mais insólitos.

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