O caso da Irlanda

Imprudência, excesso de confiança, falta de controlo, ingredientes perfeitos para uma conjuntura prejudicial que levou a Irlanda, em 2010, a pedir ajuda internacional, ditando o fim ao apelidado “milagre irlandês”.

Decorria o ano de 2008, quando a invejável economia irlandesa se começou a retrair. A “bolha imobiliária”, que outrora permitiu uma prosperidade aparente, levando os bancos a emprestarem facilmente dinheiro a construtores e a quem queria comprar casa, acabaria por transformar este país num cemitério de bairros fantasma. “Passámos os últimos 5 anos antes da crise a acreditar que as exportações e a competição não eram importantes e que era possível enriquecer o país através da venda de casa. É provável que passemos uns bons anos a sofrer até compreendermos essa lição”, alertou o economista Morgan Kelly.

Os alicerces eram de facto frágeis. Praticamente 25% do PIB da Irlanda vinha da construção civil, em contraste com os 10% de uma economia normal. O país estava a construir metade do número de casas do Reino Unido, que tem 15 vezes mais habitantes. O preço médio das moradias tinha aumentado 500% nos últimos 15 anos. A juntar a tudo isso, o retorno do investido era cada vez menor e a falta de investimento, durante anos, em actividades produtivas (imóveis não se exportam) faziam prever o pior.size_590_bandeira-irlanda

A bolha acabaria, inevitavelmente, por estoirar a 29 de Setembro de 2009, com as acções dos três principais bancos a caírem entre 20% e 50%. A população, por seu lado, começa, em massa, a retirar todo o seu dinheiro das contas bancárias ignorando “as desculpas” do governo. A Irlanda estava, aos poucos, a afundar-se.

É então que, em finais de 2010, o governo decide pedir socorro junto do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da União Europeia (UE), tornando-se o segundo país da Zona Euro a capitular perante os “mercados”. Uma ajuda, de 85 mil milhões de euros, destinada a financiar a banca. O primeiro-ministro irlandês de então, Brian Cowen, disse que espera que o plano de ajuda externa “traga certezas para nosso povo, para garantir que eles tenham esperança para o futuro” e que o plano também tenha foco no “crescimento da economia e na identificação daqueles sectores da economia que provaram ser bem sucedidos. Nós podemos e vamos superar (a crise) como fizemos no passado. Amamos o nosso país e queremos garantir que as nossas crianças tenham um futuro.”

Ao assumir as dívidas inteiras dos bancos (inclusive não estatais), o Estado irlandês endividou-se até às costuras – o deficit, em 2010, chegou atingir 32% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Trocado por miúdos, a dívida gigantesca, fruto do mau gerenciamento dos banqueiros, caiu nas mãos dos contribuintes. Consequentemente foram tomadas duríssimas medidas de austeridade, que resultaram em estrondosos protestos. A função pública, a começar pelos governantes, viu os seus vencimentos serem drasticamente reduzidos, o desemprego, antes praticamente inexistente, atingiu os 15% e a emigração, que parecia ser algo do passado, disparou, sendo a Austrália, os Estados Unidos da América e o Reino Unido  alguns dos países de destino escolhidos. Estima-se que, desde o início da crise, mais de 100 mil irlandeses deixaram o país, sendo já considerado o maior fluxo de migração desde a Grande Fome, entre 1845 e 1850.

A olho nu sobressaem os quase dois mil projectos de imóveis inacabados e as 300 mil casas vazias (15% do total de habitações do país), que agora só servem para lembrar os excessos cometidos, durante os anos de ouro do “Tigre Celta”. Apesar do governo pretender vender alguns destes projectos, a demolição tem sido a alternativa mais viável. “Nós nunca dissemos que seria fácil, ou que aconteceria da noite para o dia”, disse Enda Kenny, actual chefe do governo irlandês, num encontro de cúpula da União Europeia, como balanço dos anos de ajuda internacional. “Nós estamos numa situação muito difícil. Diante das grandes dificuldades que as pessoas e todos os sectores da sociedade vivem, eu enfatizo que nós tivemos que tomar decisões difíceis no interesse da população e do país. Decisões essas que tentamos tomar da forma mais justa possível.”

Cinco anos depois, os irlandeses têm sentido dificuldades em encontrar o caminho do consumo, mas existem sinais positivos de que estão lentamente a deixar a crise e podem até servir de exemplo para o resto da Europa. É o caso do desemprego que está em baixa, passou de 15,1% para 13,7%, sendo que, para isso, contribuíram os 20 mil novos postos de trabalho criados em 2012 e a implementação e o crescimento de empresas de Tecnologia no país, como o Facebook e a Microsoft. Os bancos já conseguem oferecer crédito sem ajuda do Estado e o preço dos imóveis tem vindo a aumentar. Algumas medidas lançadas pelo governo também têm sido uma mais-valia, tal como a implementação da taxa sobre as emissões de carbono, que permitiu um encaixe de mil milhões de euros em três anos (só em 2012 foram 400 milhões). Os próprios irlandeses têm apostado no empreendedorismo para fintar a crise. Exemplo disso é a história de três pescadores que, em 2008, arriscaram e criaram uma marca de whisky que hoje é praticamente na sua totalidade exportada.

Segundo Philip Lane, da Universidade de Economia do Trinity College, em Dublin, o país, para atingir o PIB que tinha antes, precisa de mais de cinco anos. “A recessão no ano de 2009 foi muito profunda. Nós estamos ainda longe do nível antigo. Vamos precisar de alguns anos de crescimento económico, na verdade até 2017. Portanto, podemos falar de uma década perdida”.

Por enquanto, a Irlanda anda nas bocas do mundo por ter conseguido sair da recessão no segundo trimestre de 2013, como confirmam os dados divulgados em Setembro pelo Escritório Central de Estatísticas (CSO, sigla em inglês). Até aqui, a economia irlandesa vinha-se a contrair por nove meses consecutivos. O plano agora passa por obter um empréstimo de dez mil milhões de euros, no final do ano, quando terminar o programa de assistência financeira do FMI e da UE. “A perspectiva de a Irlanda concluir o programa é actualmente mais forte do que a de Portugal”, como considera Jeroen Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo. Em caso de sucesso, será o primeiro país da Europa a sair do programa de assistência e poderá, assim, regressar novamente ao mercado financeiro e vender novamente títulos da dívida.

Para Enda Kenny, primeiro-ministro da Irlanda, o ressurgimento, após a crise, “seria para todos um exemplo como um pequeno país, cujo povo tomou decisões difíceis, pode dispensar a ajuda financeira, no decorrer do ano 2013”.

Resta-nos aguardar pelos próximos capítulos.

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