As desigualdades entre sexos ainda existem. Provavelmente trata-se de uma afirmação forte, mas realística. No mercado de trabalho, nas relações interpessoais, na violência doméstica (onde, geralmente, morrem mais mulheres do que homens, todos os anos), no tratamento social, nos papéis sociais assumidos… Em suma, nas convenções sociais. Não deixa de ser pertinente atentar-se nesta realidade.
Convictamente, o mundo laboral apresenta uma realidade bastante ilustrativa, sobre a qual me pretendo debruçar.
De forma a clarificar este fenómeno, existe um conceito que ajuda nesta tarefa. Desenvolvido pelos autores Rojo e Gallego e aprofundado num artigo científico da autoria de Carla Cerqueira, Luísa Teresa Ribeiro e Rosa Cabecinhas, do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho (Mulheres & Blogosfera: Contributo para o estudo da presença feminina na «rede»), atente-se no significado de “sexismo inibido”. Segundo várias leituras efectuadas, aquele conceito representa um modo de sexismo simbólico. Trata-se de proceder à atitude de menosprezar a mulher de modo mais indirecto, subtil e discreto. Considera-se algo cada vez menos visível, mas, ao mesmo tempo, entendível. Este fenómeno encontra-se relacionado com a manutenção de uma socialização de fachada (processo socializador realizado publicamente), ou seja, com a preservação de uma imagem de igualdade aparente.
Veja-se ao nível das dinâmicas das atitudes e dos comportamentos, em contextos laborais.
Os tipos de assédio sexual e moral ao cabo do exercício de indivíduos do sexo masculino sobre indivíduos do sexo feminino têm revelado dados estatísticos com tendência crescente. O Público expõe um estudo exemplificativo e recente. Como demonstra um estudo publicado este ano e levado a cabo em Portugal, pelo Instituto de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Nova de Lisboa, 14,4% das mulheres inquiridas revelaram já terem sido sexualmente assediadas e 16,7% moralmente assediadas, no exercício das suas funções oficioso-profissionais.
A sobrevalorização do sexo masculino sobre o sexo feminino ainda é verificável na forma como o homem manifesta o seu poder de controlo sobre a mulher, em áreas como ao médium informático. Nomeado anteriormente, o artigo Mulheres & Blogosfera: Contributo para o estudo da presença feminina na «rede» aponta para “o acesso desigual aos computadores e o facto de a informática ser um domínio tradicionalmente masculino, aspectos que inibem a entrada das mulheres no ciberespaço”. Neste sentido, também o artigo As políticas da UNESCO para a igualdade de género nos media: 1977-2007, da autoria da investigadora do CECS Carla Cerqueira, chega a abranger os media, de forma geral: “No campo mediático, o discurso a difundir mensagens estereotipadas e pouco representativas das mulheres na sociedade.”
O desporto também mostra como a mulher tem menor relevância. A BBC mostrou, num estudo de 2014, as disparidades de valorização dos homens em relação às mulheres. No caso do futebol, designado vulgarmente como desporto-rei, os prémios atribuídos no Mundial de Futebol aos jogadores rondaram as 22 milhões libras esterlinas (o equivalente a cerca de 28 milhões euros) e às jogadoras rondaram as 630 mil libras esterlinas (o equivalente a cerca de 802 mil euros).
No entanto, será que existem pontos positivos de uma participação feminina mais activa socialmente?
Integração feminina leva a benefícios na economia? O Fundo Monetário Internacional (FMI) trouxe, recentemente, uma questão, que deixo numa tradução sugestiva: “Porque se revela importante aumentar a força das mulheres no mercado de trabalho?”. Esta pergunta consta de um estudo levado a cabo por esta instituição financeira, de nome Unlocking Female Employment Potencial in Europe: Drivers and Benefits. Referindo que uma maior envolvência feminina no mercado de trabalho faz beneficiar a performance económica europeia, o documento aponta para a existência da ocupação laboral maior, em termos de horas, por parte dos indivíduos do sexo masculino como algo que tem que ser combatido. Outro dos objectivos é também promover o incentivo por parte das empresas neste sentido.
Voltando ao raciocínio de Cerqueira, deve ser destacado o poder de diversificação sociológica. Para isto, a autora afirma: “são os factores sociológicos e organizacionais que provocam a desigualdade de género”. Assim, segundo o pensamento de um outro autor, Gallagher, “a presença de mais elementos do sexo feminino nos cargos com poder de decisão poderia trazer novas perspectivas, que se reflectiriam em imagens e mensagens das mulheres mais diversificadas.” Portanto, cooperando com base no progresso social, as mais diversas iniciativas empresariais ficariam a ganhar em mostrar a sua capacidade de crescer, não só a nível de potencial económico-financeiro como a nível filosófico, social e humano.
Por exemplo, abrangendo outros domínios sociais além do laboral, tem-se assistido ao esforço no tratamento diferenciado pela via escrita. Em certos comunicados de estabelecimentos comerciais ou empresas (exemplo: estimado/a cliente) ou nos discursos políticos (exemplo: “em cada português e em cada portuguesa”, no discurso de tomada de posse do passado dia 9 de Março, proferido pelo actual Chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa). É também visível em certos documentos publicados por associações como a APAV a presença do símbolo arroba (exemplo: “solteir@”).
Pequenos passos, grandes feitos? A História mostra que sim. As mulheres ganharam espaço social, conquistaram forças antes associadas aos homens, mostraram que o seu papel de bastidores tem muita relevância. Falta continuar a trilhar esse caminho, a eliminar vicissitudes algo ocultas e demonstrativas de um certo atraso social, a passar a mensagem, simultaneamente, do fundamental desempenho da figura feminina. Os tempos carnavalescos, com reminiscências monárquicas, absolutistas, ditatoriais já se evaporaram, restando fazer desaparecer os vapores de outros tempos. Governo, media, sociedade: mãos à obra.