Até onde o consumismo nos levará? Porque compramos produtos dos quais nem necessitamos? Até que ponto é capaz de atuar o marketing/publicidade para nos despertar desejos e necessidades? Serão os recursos deste planeta inesgotáveis? Corremos o risco de o planeta colapsar? Até que ponto estamos dispostos a reflectir e a mudar nosso comportamento para o bem comum?
Para compreendermos o mundo e a dinâmica social contemporânea, é imprescindível abordar uma questão fundamental. O consumismo e que implicações tem na sociedade.
Segundo o sociólogo e filósofo francês Jean Baudrillard (1929-2007) a sociedade de consumo não surgiu de forma abrupta ou espontânea. A sociedade de consumo é o resultado de um processo histórico e cultural. O sociólogo refere que para compreender este fenómeno é necessário ter em conta essencialmente dois factores: o desenvolvimento do capitalismo e a evolução das redes sociais ao longo do tempo.
Se numa fase inicial, o consumismo tinha uma função útil relacionada meramente à satisfação das necessidades básicas dos indivíduos. Com o aparecimento do capitalismo e o surgimento da sociedade industrial houve uma mudança na lógica do consumo. Os produtos/objectos deixaram de ser meras ferramentas para satisfazer as necessidades. E tornaram-se símbolos de status, poder e identidade social. A partir deste momento o consumo deixou de ser funcional e tornou-se uma forma de expressão e distinção social.
Os produtos passaram a ser valorizadas não por ser úteis, mas também pelas qualidades simbólicas e emocionais que geram no indivíduo.
O consumidor passou a ser influenciado por representações e imagens associadas aos produtos de forma a criar uma relação afectiva e aspiracional com eles. Nesse sentido, a sociedade de consumo é o resultado de uma transformação cultural em que os valores e as práticas sociais foram moldados por uma lógica consumista. A publicidade e os meios de comunicação desempenharam um papel fundamental neste processo. Ao disseminar constantemente mensagens e estímulos que promovem o consumo. A sociedade contemporânea é marcada pela produção constante de desejos e necessidades artificiais no qual, o individuo procura incessantemente por necessidades e satisfação das mesmas. A lógica consumista passou a influenciar todas as esferas da vida social. O que afetou não só a economia, mas também, as relações interpessoais, a cultura e a própria perceção do mundo. Desta forma para o sociólogo e filósofo a sociedade de consumo é fruto de um processo complexo no qual, o consumismo se tornou um componente central da identidade e da dinâmica social.
Ainda segundo o mesmo autor, os conceitos de simulação e hiper – consumismo, são dois conceitos que estão interligados e presentes na sociedade de consumo. Ele argumenta que vivemos num mundo onde se confunde a realidade e a ilusão.
A representação de algo é quase sempre mais valorizada do que a própria coisa em si. A simulação, segundo ele, refere-se à criação de imagens e representações que se tornam mais reais do que a própria realidade. Na sociedade de consumo, somos constantemente bombardeados por uma infinidade de imagens, publicidades, signos. E símbolos que representam produtos, estilos de vida e ideias de sucesso. Essas representações são nada mais, nada menos, como uma forma de criar um fascínio.
O hiper-consumismo é um fenómeno que surge em decorrência da simulação. Ele descreve o consumismo exacerbado em que o acto de consumir se torna uma atividade constante e frenética impulsionada pela incessante produção de desejos e necessidades artificiais. O que gera uma procura compulsiva por novidades, sensação de satisfação instantânea e acumulação de produtos como forma de auto-realização e distinção social. É neste contexto que os objectos perdem o valor intrínseco uma vez que são reduzidos a meros signos de status. O consumismo deixa de ser uma atividade voltada para a satisfação de necessidades reais e passa a ser um espetáculo. Uma espécie de performance social à procura de uma identidade construída a partir dos produtos que consumimos. A simulação e o consumismo criam uma realidade simulada. As imagens e as representações tornam-se mais importantes e sedutoras do que a própria experiência real. Nesse processo as fronteiras entre o real e o artificial, o verdadeiro e o falso tornam-se cada vez mais ténues. Vivemos num mundo de simulações e a lógica do consumo transformou-se numa forma de entretenimento e espetáculo, o que nos distancia da verdadeira autenticidade e experiência humana.
Todos estes factores, conduzem o ser humano a uma espécie de alienação. Dado que as pessoas não têm mais uma relação autêntica com os objectos. Apenas têm uma relação mediada por uma lógica consumista que procura constantemente novidades e satisfações efêmeras. Esta lógica de consumo cria uma alienação. Uma vez que as pessoas se tornam prisioneiras de um ciclo vicioso de desejos insaciáveis em que a procura pela próxima aquisição se sobrepõe à apreciação e valorização das coisas em si. Os indivíduos vêm-se constantemente impulsionados a consumir cada vez mais. A adquirir novos produtos e a seguir as tendências impostas pela sociedade de consumo. Neste sentido, perdem a capacidade de fazer escolhas próprias e de determinar quais são os próprios desejos. Essa alienação no consumo conduz-nos à perda de sentido. Vivemos perante uma sociedade que prioriza a quantidade, a novidade e a aparência. Os produtos tornam-se rapidamente descartáveis e substituídos. O prazer obtido através do consumo é temporário e efémero. Com a perda de sentido, as pessoas encontram-se em um pleno estado de vazio existencial. E tentam sistematicamente preenchê-lo com a aquisição de novos bens materiais.
Em suma, Jean Baudrillard, questiona a ideia de que o crescimento e o desenvolvimento ilimitado são fundamentais para o funcionamento do sistema capitalista. São desejáveis e sustentáveis. Há toda uma estratégia por trás do consumo desmedido. É a lógica da produção constante de desejos e necessidades artificiais.
O sistema económico atual é baseado na sociedade de consumo, o que promove um incessante ciclo de produção e consumo. Que por sua vez, dá origem ao desperdício e à destruição ambiental. A busca por novidades e o estímulo ao consumo descontrolado resultam num esgotamento dos recursos naturais e em danos irreparáveis ao meio ambiente. A sociedade de consumo é baseada na ilusão que incutem nas pessoas e as levam a acreditar que a satisfação material é o caminho para chegar à felicidade e realização. O incessante desejo em adquirir novos produtos conduz a uma insatisfação crónica e à perda da conexão com o verdadeiro sentido da vida.
O hiper-consumismo funciona também como uma forma de controlo social. Mantendo as pessoas ocupadas e distraídas num ciclo constante na procura por satisfação material. O sistema económico atual incentiva ao individualismo, à competição e a procurar status social. O que fragmenta as relações humanas e enfraquece os laços comunitários.
Para concluir, cabe-me salientar que é urgente repensarmos o nosso papel no planeta. Reflectir sobre os nossos valores e prioridades. Do mesmo modo que é urgente resgatarmos o nossa individualidade e autenticidade afastando-nos daquilo que é supérfluo e exagerado. A nossa resistência pode tornar-se através de uma posição mais critica e fazermos escolhas mais conscientes, consumir produtos de forma mais responsável. Comprar aquilo que realmente necessitamos. Valorizar o nosso tempo livre, e essencialmente estar mais atentos e conscientes com os problemas que o mundo enfrenta. É urgente uma sociedade mais equilibrada e sustentável, assente em valores sociais e morais que verdadeiramente importem para o todo. Caso contrário o planeta colapsará.
Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do antigo acordo ortográfico.