Hoje preciso de mergulhar. Não sei ainda qual escolher como destino do meu mergulho: um rio, um oceano, um precipício, um jardim de flores, um sofá ou a minha cama. Os teus braços? Não, não os equacionei. Não sei, não sei, por isso não me perguntes! Estás a pressionar-me! Deixa-me pensar, ou melhor ainda, não pensar.
Ai, tenho mesmo de descalçar os sapatos que me apertam até a alma. E fechar os olhos no sofá.
Sinto que o conforto de me deixar ir num mergulho pode acalmar este caos gigante que tenho nos dedos e nos olhos e em todos os poros da minha pele. Debaixo das unhas e no cabelo, também. Às vezes sinto o caos mau chegar porque tenho comichão no cabelo. Não te rias! Não brinques com o meu caos! É frágil, é um caos muito frágil que depressa se pode organizar numa ordem cruel e avassaladoramente vazia. Não quero chegar a isso, quero só resolver este caos enorme e ficar com o meu caos pequeno, normal, aquele que me torna quem sou, aquele que embrulha a minha personalidade e ninguém compreende, mas eu sei sempre onde ir buscar os pensamentos e sentimentos. Hoje senti este caos grande chegar como um terramoto, e tive de repetir o dia todo, febrilmente, alguma frase de que não me lembro. Ou se calhar não te quero dizer, pronto. Às vezes a frase funciona, quando é só um caos novo, mas neste tipo de confusão abismal não resultou. Tive de ir beber um galão quando saí do trabalho e sei que o dono do café se sentiu tentado a expulsar-me, li-o nos seus olhos enquanto me olhava de lado, eu a repetir e a repetir e a repetir, e a coçar o cabelo, e a senti-lo chegar. E a beber o galão. E a sentir o olhar do dono do café. E a sentir o caos grande. Ou talvez o caos confuso me traga também paranoia, além de comichão. Oh, lá estás tu a rir-te! Sou ridícula?
Não, não preciso de abraços, agora já é tarde! Já te riste!
Não, nem de duches quentes! Nem de dormir, vai tu descansar! Eu só preciso de tirar este casaco, estes sapatos, esta roupa e esta pele. Preciso só de despir este não sei o quê tão grande e infeliz, esta angústia que os pormenores loucos e surdos me têm trazido, e talvez – chance remota! – consiga transformar-me numa borboleta e descansar livre. Livre e feliz, embora seja tudo uma mentira. Será que as borboletas que só vivem um dia sabem que só vão viver durante um dia? Será que aproveitam? Eu se fosse esse tipo de borboleta ia acreditar na minha mentira. Ia acreditar que poderia despir as minhas asas quando visse a lua e acordar com um novo sol, ia acreditar que poderia entregar a minha liberdade por mais um dia de vida. Porque dizes que as borboletas não pensam? Sabes lá tu, se calhar pensam melhor do que nós! Sim, eu vivo numa mentira. Não me interessa. Eu escolho viver na ilusão, cada um vive naquilo que quer. Eu gosto mais do meu mundo do que disto a que chamas realidade. Na minha ilusão as dores são só minhas, não tenho de sentir nada que não seja meu. E as alegrias quando vêm são capazes de ressuscitar, são capazes de tornar-me numa borboleta.
Sim, dou-te a mão. Puxa-me para a cama, acho que já não estou a dizer coisa com coisa. Não gosto lá muito de te confessar estes segredos, mas acho que o toque da tua pele também me pode trazer o caos de volta. O caos bom, o meu caos. O mau já foi embora, não sei em que altura mas suspirei-o como um vendaval.