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O Apocalipse de um Cineasta

É estranho ver quem você ama confrontar seus medos mais profundos. Medo de falhar, da morte, de ficar louco. É preciso falhar um pouco, morrer um pouco, perder um pouco da sanidade para emergir do outro lado.

– Eleanor Coppola

O filme Apocalipse Now fez sua estreia quarenta anos atrás, no dia 10 de maio de 1979 no festival de Cannes, ganhando a Palma de Ouro. É um filme sobre a transformação do homem na guerra, um clássico do cinema baseado na história de Michael Herr, que esteve no Vietnã cobrindo o conflito entre 1967 e 1968, quando publicou uma reportagem na revista “Esquire” que virou o livro “Despachos do Front”.

O livro de Herr causou um im­pa­cto profundo nos americanos, inclusive em Francis Ford Coppola, que es­creveu o roteiro e dirigiu o fil­me. Mui­ta gente só se lembra de citar “Co­ração das Trevas”, de Joseph Conrad, como base de “Apocalypse Now”, mas o núcleo de am­bientação física e bélica é mesmo a história de Herr, a única citada nos cré­ditos.

Tudo em “Apocalypse Now” re­ver­bera como uma imensa vibe psicadélica de violência e morte, entrecortada pelos assomos do riso e do prazer. Recheado de estrelas as­cendentes da época – como Mar­tin Sheen, Harrison Ford, Robert Duval, Dennis Hopper e Marlon Brando, a figura responsável pelas cenas mais sombrias e reveladoras –, o filme mantém uma escalada vertiginosa de assombro.

Entregue à angústia e às drogas num quarto de hotel, o capitão Willard recebe uma missão de subir o Rio Nung num barco-patrulha da Marinha para encontrar o coronel Kurtz do outro lado da fronteira, no Cam­boja, e aniquilá-lo. Este era um desertor que havia enlouquecido e liderava um grupo de fanáticos que matavam e morriam por ele.

Kurtz tem o nome do personagem de “Coração das Trevas”, um traficante de marfim que também havia enlouquecido na selva africana, às margens do Rio Congo, e mantinha um séquito que o idolatrava.

O filme tem sido conotado pelos problemas encontrados para fazê-lo. Depois de filmagens infernais e longuíssimas sessões de edição igualmente horrendas, o trabalho de Coppola chegou a ganhar o apelido de “Apocalipse Never”, pois parecia destinada a jamais ver a luz do sol.

Estes problemas foram narrados no documentário Hearts of Darkness: A Filmmaker’s Apocalypse de Eleanor Coppola, esposa de Francis Ford Coppola que conta a história de Brando que chega no cenário acima do peso e completamente despreparado; cenários caros sendo destruídos pelo mau tempo; e ator principal (Sheen) sofreu um ataque cardíaco, enquanto no local. Problemas continuaram após a produção já que o lançamento foi adiado várias vezes enquanto Coppola editava milhares de vezes as sequências das filmagens. Levou cerca de três anos e meio para ser concluído e no final possuía um orçamento muito acima do estimado já que as gravações estavam muito atrasadas.

O cineasta enfrentou dificuldades para realizar a sua produção desde o início. Nenhum estúdio quis arriscar um centavo sequer num filme sobre um militar desertor e maluco perdido na floresta no meio da guerra mais questionável da história norte-americana. Coppola foi obrigado a engavetar o projeto, partindo para as filmagens de O Poderoso Chefão (1972) e O Poderoso Chefão II (1974).

Super-premiado e multimilionário com o sucesso global de seus filmes sobre a máfia, o diretor decidiu criar a produtora American Zoetrope e encarar sozinho os desafios de seu projeto apocalíptico. Por pouco não perdeu tudo, incluindo a própria sanidade.

Contrariando os conselhos de Jorge Lucas, Coppola levou uma grande equipe para as Filipinas, onde rodaria o filme com apoio do governo local. Na verdade, tal apoio traduziu-se em uma espécie de aluguel de território e equipamentos. O cineasta pagava taxas diárias para poder rodar o longa e utilizar helicópteros da Força Aérea filipina, que entre as filmagens deixavam o set para combater rebeldes no sul do país.

No entanto, este era um dos menores problemas do cineasta. Sets inteiros que haviam sido construídos tiveram que ser remontados após um tufão destruir tudo. Cenas e sequências completas foram reescritas diversas vezes e, ao final das filmagens, Coppola ainda se debatia em busca de um final. Além disso, calor intenso, umidade desconcertante, presença de generais no set, interrupção constante das filmagens e um calendário que só se estendia completavam o quadro torto que vinha sendo pintado.

Coppola jamais poderia prever o crescimento infindável do seu projeto, muito menos o esforço financeiro que o mesmo demandaria. De qualquer forma, sabia que a realização do filme e seu próprio futuro dependiam exclusivamente dele mesmo e de seu poder criativo e administrativo – que aos poucos eram colocados em xeque. Questionado em uma entrevista se desistiria do longa, o cineasta simplesmente responde: “Como posso desistir de mim mesmo?”.

Enfrentou desavenças com Marlon Brando, que ameaça deixar a produção devido aos atrasos nas filmagens – e manter no bolso US$ 1 milhão pago em adiantamento. Quando finalmente decide atuar, o astro mostra-se insolente e desinteressado, irritando o diretor.

Já com Martin Sheen o problema foi de saúde. Após um período sóbrio, o ator decide beber para realizar uma cena catártica – catarse essa não apenas do personagem em si, mas também do ator e da própria equipe envolvida. Martin não aguentava mais filmar. Durante a sequência, transtornado e estimulado por Coppola, cortou-se acidentalmente com um espelho, extravasando a tensão em frente às câmeras. Pouco tempo depois, Martin teve um ataque cardíaco no set.

De fato, Coppola sobreviveu a sua descida ao inferno. Apocalypse Now estreou quase três anos após o início das filmagens. Ganhou três Globos de Ouro, dois Oscars e a Palma de Ouro em Cannes, tendo faturado US$ 150 milhões até o lançamento do documentário, em 1991. Ao mesmo tempo, é o recordista do MovieMistakes.com como o filme com o maior número de erros: 395 no total. Prêmios e números à parte, Coppola mostra que para construir algo podemos de fato falhar, enlouquecer e morrer durante o processo. Ao menos um pouco.

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