Ir ao cinema, por vezes, vale a pena. De vez em quando, surgem filmes que incitam à descoberta, que se cosem a nós, que nos fazem crescer como seres humanos, que nos fazem pensar e que nunca mais nos abandonam. É o caso de A Vida de Adèle (Blue is The Warmest Color), que deixa marca, que magoa.
A história de banda desenhada de Julie Maroh, Le Blue Este Une Couleur Chaude, serviu de inspiração ao realizador franco-tunisino, Abdellatif Kechiche, para criar o filme que arrecadou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Esta obra-prima moderna mostra o drama de Adèle (Adéle Exarchopoulos), uma adolescente que estuda literatura no colégio com o objectivo de um dia se tornar professora. Adèle vive um romance com Thomas, um dos rapazes mais atraentes da escola. Pressionada pelo seu grupo de amigas e pelo seu desejo de encontrar respostas, envolve-se sexualmente com ele, descobrindo que nada é como esperava, o que leva à rutura da relação.
Adèle encontra-se, então, um pouco perdida. No entanto, a adolescente vive com uma imagem na sua cabeça: a de uma jovem de cabelo azul, Emma (Léa Seydoux), com a qual se cruzou apenas uma vez na rua. Começa, então, a questionar-se. A ida a um bar homossexual e o consequente encontro com Emma trazem-lhe algumas respostas. Assiste-se, aqui, à materialização do amor à primeira vista. Emma é uma criação magnífica, enigmática, misteriosa, tendo uma natureza livre, generosa e verdadeira no amor que expressa por Adèle. As duas acabam, então, por iniciar uma relação e Kechiche mostra, da melhor forma, as diferentes fases deste amor: o êxtase, a exploração do amor, o contentamento e o tédio.
O filme transporta-nos para uma realidade que já todos vivemos, dando-nos, ao mesmo tempo, a possibilidade de mergulhar numa história que não é nossa. Mostra a urgência da primeira paixão, o romantismo e a insegurança, sentimentos interpretados excelentemente pelas duas protagonistas que se entregam de corpo e alma aos seus papéis. Exemplo disso são as longas, muito longas, e arrojadas cenas de sexo explícito. O despertar do desejo sexual de uma adolescente, de um corpo que procura, que experimenta, que descobre e que prende o espectador, que vê de perto e acaba por sentir aquela fisicalidade arrebatadora, aquele “desespero”. O realizador mostra tanto a influência poderosa do desejo sexual nas emoções, assim como ainda nos permite compreender a profundidade da paixão vivida entre estas duas mulheres. Adèle descobre o significado do amor, a expressividade do sexo, encontra o desejo, tudo isto visível desde o olhar infantil desta para Emma, até ao suor que escorre no momento do orgasmo. Um jogo de sedução brilhante, uma intimidade envolvente.
Os 179 minutos do filme são essenciais para a composição desta devastadora história de amor e de descoberta, que acaba por despertar em nós o desejo de dar tudo o que temos e o que não temos. Apresenta a universalidade do que é a paixão e o quão difícil é manter uma relação. É mais do que um filme: são três horas de reflexão pessoal, três horas que sabem a pouco.
Afinal, o amor tem cor. É azul. Quando o filme acaba fica o sentimento de fracasso, de um empreendimento que não teve sucesso. Azul é triste. O azul já foi mais quente. Sentem-se saudades. Deixamos o cinema com um nó na garganta e enfeitiçados pelo primeiro amor, mesmo sentindo a crueldade da realidade.
Sem dúvida, uma das estreias do ano, uma das grandes histórias de amor do nosso tempo. Um excelente realizador e duas excelentes atrizes, que se dão, sem barreiras, às suas personagens. Excitante, trágico.
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