A nova lógica da técnica, ligada, actualmente, a uma componente de carácter potencialmente electrónico-informática, está patente um pouco por toda a parte. Aliada à cultura do visual, que faz jus à sua eternização, afecta toda a população do planeta, independentemente de padrões culturais (com raras excepções de pequenas comunidades), ou mesmo faixas etárias. Com isto, repare-se que os seres humanos têm cada vez mais cedo acesso a aparelhos electrónicos. Será que verdadeiramente é concebível moldá-las nessas condições para práticas lúdico-educativas?
Na verdade, existem vários projectos e iniciativas, de maior ou de menor escala, que pretendem associar a tecnologia à educação e às aprendizagens lectivas. Em Portugal, nos XVII e XVIII Governos Constitucionais, cujo primeiro-ministro era José Sócrates, implementou-se a disponibilização de computadores a um preço muito mais acessível, chamados ‘Magalhães’ e adaptados aos mais pequenos. Independentemente das suas repercussões políticas, esta iniciativa deve ser referenciada como pioneira, a nível nacional, neste ponto, tendo fomentado mudanças nos hábitos de interação informática das faixas etárias entre os 6 e os 10 anos, essencialmente. Este programa acabou por ser inclusive implementado na Venezuela, por meio de um acordo entre os países luso e venezuelano.
Não esquecendo a ideia anterior, veja-se como certos países, por exemplo, a França, já combinam as novas tecnologias com a componente lectiva. “Para os miúdos é interessante porque vêem robots nos desenhos animados, mas não têm o hábito de interagir com eles. Por isso, sim, é apelativo.” Estas são as declarações de Leila Gelas, uma educadora do jardim de infância de Tardy, em Saint-Étienne, que explica a iniciativa da estrutura robotizada de madeira chamada ‘Primo’. Nesta reportagem à ‘Euronews’, do início de Setembro do ano passado, é exibido que, com ela, as crianças podem dar os primeiros passos na programação, associando cores aos passos do robot.
Uma realidade actual é a utilização das novas tecnologias cada vez mais cedo. A revista ‘Pais e Filhos’ aponta uma investigação levada a cabo por uma equipa de investigadores do Hospital Universitário de Cork, na Irlanda. Aí, seguiram 82 crianças dos 12 meses até aos três anos de idade, detectando que as capacidades de manuseamento de equipamentos electrónicos atingem o grande boom aos 24 meses, quando a criança já consegue desbloquear, navegar e efectuar pesquisas simples na Internet. No mesmo artigo daquela revista, é atentado, porém, um estudo publicado no jornal científico ‘Archives of Disease in Childhood’, donde se retira a conclusão de que, cite-se, “a competência da motricidade física associada aos touchscreens pode ser útil no desenvolvimento global da criança, nomeadamente nos jogos e brincadeiras mais tradicionais.”
Outro novo fenómeno começa a verificar-se mais incidentemente: a folia tecnológica começa a causar impacto na relação familiar doméstica, por todo o mundo. A revista ‘Visão’ avançou com um artigo, baseando-se num estudo concretizado pela ‘AVG’, empresa dedicada à segurança online, onde expõe que 54% dos progenitores excedem um tempo que vai para além do considerável nos smartphones e 29% assumem não dar o melhor exemplo aos filhos no uso de dispositivos móveis. A psicóloga Elizabete Duarte comenta, na mesma fonte: “Percebe-se um certo distanciamento entre as pessoas. O uso da tecnologia torna o contacto das crianças com os pais e com os amigos mais restrito. Por isso, é que são necessárias algumas regras para o uso dos aparelhos, tanto dentro de casa, como em momentos de relacionamento com amigos”.
No seguimento da análise da panorâmica tecnológica infanto-juvenil, Helena Fonseca, pediatra especialista na adolescência, e Maria do Céu Machado, também médica na especialidade de pediatria, advertem para algumas atitudes que devem ser vigiadas, sobretudo, pelos pais. Helena Fonseca explica que devem existir algumas barreiras que devem ser levadas em consideração relativamente ao “período de descanso ou de estudo”. Maria do Céu Machado segue mais longe, explicando que, recorrendo ao artigo em causa, da revista ‘Saber Viver’, “o acesso à Internet não deve acontecer antes dos 12 anos e sempre com a supervisão dos pais.” Esta especialista refere, quanto ao uso do telemóvel: “Os pais dizem que é bom os filhos terem telemóvel no caso de precisarem de alguma coisa, mas o que é mesmo necessário é que os pais tenham o seu telemóvel ligado para a escola os contactar se houver algum problema”.
Afinal, depois desta exposição factual, será que se mostra necessário dar alguns passos para a melhoria dos problemas mencionados?
A reposta é positiva e reside, inevitavelmente, numa primeira fase, na Educação. Entenda-se educação quer ao nível familiar/parental, quer ao nível governamental/institucional. Trata-se de dar um novo incentivo às crianças, cujo cérebro encontra-se na fase de plastificação, ou seja, na fase em que se encontra a moldar – a psicologia estima que este só termine por volta dos 20 anos. Logo, revela-se importante a educação para os media e para a tecnologia. Desde já, exibam-se algumas medidas:
1) Aumento da eficácia da disciplina de Cidadania/Formação Cívica, no ensino básico. A fase da adolescência potencia novas descobertas e estas devem ser reguladas por ensinamentos mais eficazes que devem partir das instituições de ensino. Para tal, porque não abandonar as tradicionais aulas teóricas e passar a atividades mais interactivas, como trabalhos de grupo de cariz prático, envolvendo casos práticos? Daí, partir para uma dinamização maior das restantes disciplinas.
2) Incremento da publicidade institucional nos media relativamente ao ensino e à formação para a cidadania. Tendo em conta a grande e impactante acção mediática, pelos seus discursos altamente manobrados, revela-se essencial incentivar organizações dos mais diversos tipos a apostar em anúncios publicitários e campanhas de sensibilização atractivas, com vista a cativar mais crianças e jovens.
3) Implementação de um acompanhamento especializado da faixa infanto-juvenil mais persistente. Apostar na atribuição de cheques para o acesso a consultas de psicologia ou a promoção de palestras com profissionais da mesma área em estabelecimentos de ensino parecem duas medidas viáveis e, a longo prazo, geradoras de efeitos benéficos.
Terminando, a conclusão é muito simples: o acesso a equipamentos electrónicos pode ser eficaz com as crianças e com os jovens para fins lúdico-educativos, caso exista uma mediação, isto é, uma regulação mais consistente e incisiva, mas combinando a promoção de medidas educativas que despoletem realidades mais conscientes e racionalizadas. Trata-se de apostar no futuro e na sustentabilidade do bem-estar destas e das futuras gerações, de encontrar novos modos de pensar as próprias vivências, mas, sobretudo, de propiciar um ambiente global mais ligado à promoção dos valores da cidadania.