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Nós, As Crianças da Estação do Zoo

Ter lido Os Filhos da Droga aos 23 anos foi uma bênção ante a impressão que a obra gravou em mim. Eu dava aulas a jovens da idade de Christiane F. (o “F” é de Felscherinow), a jovem que começou drogar-se aos 12 anos e aos 14 já se prostituía e viciava em heroína. O livro, que se tornou de culto, pareceu-me mais indicado para jovens adultos do que para adolescentes, tal o realismo com que descreve o submundo do consumo de drogas duras.

Cartaz da discoteca ‘Sound’

Berlim oriental dos anos setenta, ícone do movimento underground, a mítica discoteca Sound e a música de David Bowie. É neste ambiente que acompanhamos a descida ao inferno de uma menina de 12 anos. Nada é deixado ao acaso, da família desestruturada à tentativa de a igreja moralizar e condenar, da hipocrisia do poder político ao inferno do centro de desintoxicação (testa de ferro para um dos cultos da moda). Uma das coisas que mais me impressionou foi, no depoimento da mãe, o total desnorte perante o óbvio: com a filha em morte acelerada à frente dos seus olhos, teimava nas dúvidas sobre se deveria deixá-la continuar naquela vida… uma pré-adolescente!

Cena do filme de Ulrich Edel, realizado em 1981.

A angustiante história de Christiane F. viu a luz quando Kai Hermann e Horst Rieck, jornalistas da revista Stern, encontraram uma jovem de 16 anos aguardando para testemunhar em tribunal num caso de proxenetismo. Na conversa que se seguiu para suportar um artigo que estavam a escrever sobre o consumo de drogas entre os jovens, cedo perceberam o abismo que aquele ser carregava e a curta troca de palavras evoluiu para horas de entrevistas e posteriores depoimentos de muitos dos agentes envolvidos, resultando neste livro assombroso. Os créditos foram dados à jovem.

Se a droga hoje perdeu, pelo menos em Portugal, o mediatismo dos anos 70 e 80, no momento em que saiu o livro (foi escrito em 1978), era, juntamente com a SIDA, em termos de saúde pública, o terror do momento. Admito que o livro não tenha hoje o impacto que teve à data, no entanto (e já o li há 15 anos), é um murro no estômago… de Detlef, que começou a prostituir a namorada, Christiane, acabando ele próprio como prostituto com o mesmo intuito, até Babsi, a amiga e a primeira rapariga a morrer de overdose, a obra carrega uma violência que foi muito dura de digerir.

Babsi, a amiga de Christiane que perdeu a vida na droga.

Quando o li, lembro-me de comentar com uma colega – hoje amiga – cujas filhas eram pequenas, que a descrição do ambiente da noite, do fumo, das drogas e da liberdade, poderia causar algum fascínio num jovem leitor, exercendo o efeito contrário àquele que um adulto recolheria da leitura. Penso que a idade-fronteira em que li Os Filhos da Droga foram determinantes para esta opinião, daí a “bênção”.

Nós, as Crianças da Estação do Zoo, a tradução do título original em alemão, traduz uma força e ao mesmo tempo uma inocência que a rudeza de Os Filhos da Droga não consegue transmitir. Porque era junto à estação do Zoo que os meninos se drogavam e prostituíam.

Christiane F. em 2014, com 51 anos
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