No meio da Tempestade

É sempre mais difícil analisar um contexto, uma problemática, quando estamos inseridos nele. É complicado pensar, escrever, chegando à conclusão de que estás lá, bem lá no centro do movimento.

Em que sociedade andamos? Que fazemos nós aqui? O que oferecemos de nós? Será que damos o suficiente?

Uns acham que somos a sociedade sombra, quase transparentes. Eu diria que estamos cada vez mais individualizados, sozinhos no que é novo. Presos a um progresso impessoal e solitário.

Estamos num momento em que são raras as pessoas que olham para o outro com olhos que conseguem ver, estão a acabar as pessoas que sorriem com o coração, que detêm a correria para perguntar e esperar a resposta ao “Estás bem?”. Temo que, se neste momento cada um pudesse colocar um “pause” e assistir ao que viveu até aqui, não faria tudo da mesma forma, dava mais de si… dedicava mais tempo àquele abraço, mais tempo àquele dia de praia, àquela companhia, mais ao momento, mais sentir as emoções tal como elas são, viver sem a sensação de apenas existir dentro de um corpo que faz a proeza de se movimentar. A sociedade moderna tornou-se tanto no tão moderna que perdeu a fundamental e o mundo não pára para ver o que está à volta.

O jantar é interrompido pelo telefone que toca, o convívio espera, porque aquele email tem de ser enviado, os filhos crescem, enquanto a modernidade acontece. O tempo corre, enquanto o trabalho se torna cada vez mais exigente e essa exigência é correspondida.

Os amigos vão e vêm, enquanto a vida pede mudança, movimento. Apenas aqueles que damos de nós, esquecendo a louca sociedade moderna, ficam.

Deixamos de sorrir uns para os outros, porque estamos sempre ocupados, depois esquecemo-nos como se faz e sabe tão bem. Esta sociedade sem nexo, está a deixar que nos afastemos, que a frieza chegue, que se deixe de olhar para o outro. Não temos tempo para conhecer as pessoas e o caminho mais rápido será julgá-las pela aparência, pelas escolhas que fazem, pelos caminhos que percorrem sem tempo para perceber quem realmente são.

Contudo, o que faz esta nossa sociedade são várias características, são tantas que é difícil estar a descrevê-las a todas. E é aqui que destaco uma que provavelmente me inquieta mais e que poderá justificar tanta distância entre as pessoas, com a certeza de que estou aqui, inserida, tal como tu e ele.

Falo do “Boom” da loucura da escolarização. Não que seja um ponto que não mereça ser trabalhado, importante, relevante. A educação é e será sempre uma mais-valia para poder fazer uma sociedade prosperar. A questão que aqui se coloca é a forma como são vistas as pessoas menos escolarizadas, sem que lhes sejam abertas portas, sem que consigam sentir-se úteis, sem que tenham a possibilidade de valorizar a sua experiência de vida, ignorando a capacidade inata que o ser humano tem de sempre aprender ao longo da vida.

Alguns analistas consideram que estamos a dividir a sociedade em três grupos diferentes. As «nossas sociedades desenvolvidas, prósperas e democráticas, a modernização e a rápida mutação tecnológica criaram três categorias distintas de cidadãos.

A elite, são aquelas pessoas com maior saber académico, que estão no topo, sendo que se consideram o melhor dos melhores.

Os “funcionalmente significantes” e os “funcionalmente supérfluos”.» Seria quase escusado referir que este último grupo abrange todas as pessoas pouco ou nada escolarizadas. São excluídas numa sociedade em que o saber académico além de ser o mais importante é o que define quem somos. Talvez por essa razão queremos mais e mais rápidas crianças inteligentes e escolarizadas. É a loucura da caça ao “Muito Bom”, sem possibilidade para o erro, fazendo com que as crianças sintam um tremendo medo de falhar, de errar. Não há espaço para isso.

Acabamos por estar tão centrados nesta exigência do saber, que nem nos apercebemos que os exemplos que transmitimos não são os mais indicados, a frieza a que nos limitamos não nos deixa ser de outra forma.

Não tem como exigir a uma criança que saúda o outro, que agradeça, que valorize o outro, que tenha boas ações, se o adulto não tem tempo para mostrar, de uma forma natural e espontânea como se faz.

Sem fórmulas especificas e remédios instantâneos, acredito que a chave está aqui. O primeiro passo para ver uma sociedade evoluir está em cada criança, mas temos de deixá-las crescer de forma saudável, respeitar os seus ritmos, valorizar cada conquista e deixá-las errar e tentar quantas vezes forem necessárias. É fundamental que sejam educadas nos bons exemplos, que aprendam através de ações a valorizar cada pessoa, como única que é na nossa vida. Só assim se poderá prosperar. A educação é a resposta!

Bibliografia
Milagre, C., Passeiro, J. Almeida, V. (2003). “Novos actores na formação de grupos sociais desfavorecidos”. In “Revista Europeia Formação Profissional”. Nº 30. Set/Dez, 2003
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