Não me tomem por parvo

A recente polémica em torno da “fuga de dados” dos utilizadores da rede social Facebook deve alarmar qualquer um. Tal situação é preocupante e é – mais um – sinal de que isto do “big brother” é algo com o qual nós, cidadãos, não devemos pactuar. Já diz o ditado que “cautela e canja de galinha nunca fizeram mal a ninguém”, daí que nunca são demais os maciços alertas aos utilizadores das redes sociais (Facebook inclusive) de que devem ter muita ponderação naquilo que publicam.

Algo de completamente diferente de tudo o que expus anteriormente, é políticos e comentadores (públicos e anónimos) se servirem da problemática das redes sociais para tentarem justificar o injustificável – de que a culpa morre sempre solt6eira. Uma árvore por si só não faz uma floreta. O mesmo tipo de raciocínio se aplica ao Facebook e afins. Por muito que se diga e escreva, a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos da América, o avanço do populismo a nível mundial, a falência do centro nas democracias europeias (e não só) e o aumento preocupante de facções extremistas não se deve, em exclusivo, ao Facebook.

Claro que o Facebook pode ajudar – e ter ajudado – a que muito daquilo que classificamos de negativo seja uma realidade, mas este está longe de ser a única razão de tudo o que está mal no Mundo. Tomemos como exemplo as últimas eleições presidenciais norte-americanas. Quem era a oposição a Donald Trump? Um vazio! Num país abalado por uma fortíssima crise financeira que destruiu lares e empregos, Hillary Clinton era a opositora ao discurso populista de Trump. É bom que todos nos recordemos de que Hillary fez uma campanha eleitoral medonha que se baseava, quase em exclusivo, na “resposta torta” às provocações infantis de Trump. Para mais, Hillary fez parte da administração Obama, onde teve a oportunidade de nada ter feito. E durante o período eleitoral o que não faltou no Facebook foi campanha suja e contra-informação a favor da candidatura de Hillary!

Ora, face a tudo isto, será que foi somente o Facebook (e as ainda por provar intromissões da Rússia de Putin, já agora) que influenciou o resultado eleitoral dos “states” que fez de Donald Trump o seu actual Presidente?

Na Europa (e não só), a lógica é exactamente a mesma. Procurar servir-se do Facebook para justificar o crescimento dos movimentos populistas, a tremenda barafunda política que alguns países europeus estão a enfrentar na feitura dos seus Governos e – não podia deixar de ser – o Brexit é de uma desonestidade intelectual sem precedentes. Seguir tal linha de pensamento é o mesmo que se utilizar uma borracha de má qualidade para se apagar o que de tão mau se fez nos últimos penosos quatros anos.

É certo e sabido que como resposta à grave crise financeira que assolou todo um planeta, a Europa seguiu uma cega e brutal política de austeridade cuja principal (e única) consequência foi a de se fazer vingar o pensamento – populista – de que os Povos do Norte sustentam os Povos preguiçosos e adoradores do Deus Baco do Sul! O Brexit, por exemplo, é uma consequência directa de tudo isto e não somente do Facebook. O mesmo se pode dizer da falência do centro na política europeia e do crescimento, deveras preocupante, de movimentos e partidos extremistas.

Por tudo isto (e mais alguma coisa), não me tomem por parvo. O Facebook é, por si só, responsável por muita coisa que está mal no Mundo, mas não venham fazer crer que este é como a culpa que morre solteira.

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