Mulheres das Letras

Como mulher escritora é com enorme satisfação que observo um interesse crescente na literatura nacional feminina. Graças à inúmera divulgação, nas redes sociais, por parte de um público mais jovem, alguns autointitulados bookaholics, os livros têm voltado para a ribalta.

Se sempre se leram autores estrangeiros e outros nomes já consagrados, do panorama português, ninguém dava oportunidade ao que é nacional, novidade e, principalmente, escrito por mulheres. Não se gosta de arriscar, além do preconceito social e cultural que tem o seu peso e raízes.

Não precisamos recuar muito. Na década de 40, Miguel Torga foi ao Porto fazer uma conferência no Clube dos Fenianos. Sophia de Mello Breyner foi assistir à conferência, acompanhada por Fernando Valle Teixeira, um amigo comum dos dois escritores. No final, Valle Teixeira apresentou a escritora a Torga e disse-lhe que Sophia escrevia poemas. Nesse momento, Miguel Torga diz: «É tão bonita que não precisava de escrever poemas». A poeta ficou furiosa com o comentário e, pouco tempo depois, enviou-lhe doze poemas. Torga reconheceu, então, o valor da jovem escritora e ajudou Sophia na publicação do seu primeiro livro.

Por este pequeno incidente, podemos ver que ainda há bem pouco tempo as mulheres sofriam de preconceito e discriminação. Melhorámos desde então, no entanto, o presente é apenas o produto do passado e, por isso, é importante recuarmos no tempo e olharmos para a história para percebermos a realidade atual.

Na Antiguidade (4000 a.C-476 d.C), em sociedades como a egípcia, as mulheres não tinham acesso à escrita. Uma das suas principais funções era a constituição de família, sendo que muitas vezes eram vendidas sem direito de escolha.

A situação e o estatuto das mulheres na Grécia antiga também não era muito diferente. Não tinham acesso à educação na infância e concentravam os seus trabalhos no ambiente doméstico. Atividades como as artes, a filosofia ou a política eram-lhes vedadas.

Também no Império Romano, as mulheres, filhos e escravos, estavam sob o poder absoluto do homem.

Na Idade Média (476-1453), surgiram na Europa e na América perseguições contra as mulheres conhecidas como “caça às bruxas”. Muitas mulheres por se terem revoltado contra o que era “tradicional” (sociedades com grande influência da Igreja Católica) eram apelidadas de feiticeiras, sofriam agressões e eram queimadas vivas.

Do século XIV ao século XVI as mulheres passaram a exercer um papel fundamental como mão de obra para o desenvolvimento das cidades, no entanto as suas condições eram muito precárias.

Só após a Revolução Francesa, em 1789, é que as coisas começaram a mudar, em termos de liberdade, igualdade e fraternidade.

As mulheres, sem dúvida, participaram da produção histórica e literária, mas pela “porta dos fundos”, assim como em todos os setores da vida produtiva e ativa das sociedades.

Durante muito tempo, a escrita e o saber estiveram relacionados ao poder e foram usados como formas de dominação e de exclusão de determinadas vozes que tentaram ecoar algum som em meio ao silêncio que era imposto para que se mantivesse a ordem social numa sociedade de base patriarcal, machista e sexista.

Durante muito tempo, foram-lhes negadas a autonomia e a subjetividade necessárias à criação, consequência da manipulação, do controle da palavra e da escrita.

Só no final do século XVIII é que as mulheres começaram a escrever, desde que, no entanto, os seus escritos não ferissem a moral e os bons costumes.

Muitas foram as mulheres que, embora com a “pena em riste”, não puderam expressar-se e tiveram a sua obra e a sua intelectualidade submissas ao sujeito masculino.

Os nomes destas autoras que produziram milhares de textos, entre os séculos XVI e XVIII, permanecem, na sua maioria, esquecidos na história da literatura portuguesa.

«Entre algumas das mulheres descobertas nos arquivos nacionais está a Infanta D. Maria, filha de D. Manuel I, princesa do renascimento que do seu paço fez um centro de cultura, onde as mulheres mais cultas da sociedade quinhentista se reuniam para falar de livros e de arte.»

«As mulheres escritoras sempre existiram, embora fossem ignoradas e esquecidas nas grandes obras da história da literatura portuguesa e “escondidas” do público leitor até abril de 1974, quando começaram a ocupar lugar nos escaparates das livrarias, nas nomeações para prémios, nas mesas de congressos e nas páginas de jornais e dos livros de história.»

Cinquenta anos volvidos, compete-nos, leitores, continuar a fomentar a liberdade e a voz no feminino.

O Clube das Mulheres Escritoras é um espaço de celebração e divulgação da literatura portuguesa escrita por mulheres. Celebra o seu primeiro aniversário este ano, no mês de março, e tem uma série de eventos que visam assinalar a mulher no mundo da escrita. Sigam e subscrevam nas redes sociais.« É simples. E mais simples ainda é lê-las, amá-las e partilhá-las.»

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