Migrações: escravatura da globalização?

 

Ao longo da História aconteceram movimentos migratórios pelos mais diversos motivos. Migração significa o deslocamento de pessoas através do espaço geográfico e, em consequência, frequentes mudanças na configuração do mesmo. Os processos históricos de globalização contribuíram sempre para o seu incremento. Ao longo dos séculos, a migração, seja na modalidade de imigração ou de emigração, tem sido um elemento essencial no desenvolvimento económico e na obtenção de melhores condições de vida.

O acto de migrar pode acontecer a nível interno ou internacional, temporário ou permanente, regular ou irregular, voluntário ou forçado. As razões que levam alguém a emigrar são diversas e costuma-se dividir os migrantes em três categorias: refugiados, trabalhadores temporários e migrantes definitivos. Os factores de impulso e atracção também são três: sociopolíticos, demográficos/económicos e ambientais.

Os factores sociopolíticos podem ser de natureza étnica, religiosa, racial, política, sexual ou cultural. A guerra e a falta de segurança estão incluídas neste grupo e as pessoas que disso fogem têm mais probabilidade de serem consideradas refugiados.

A migração demográfica e económica está relacionada com o desemprego e a estabilidade financeira. A falta de oportunidades nos países de origem é, habitualmente, uma causa. Salários mais elevados, melhores oportunidades de emprego, acesso a saúde, educação e segurança social poderão ser motivos de atracção.

Os factores ambientais estiveram sempre presentes nas migrações, dado que os desastres naturais e climáticos ameaçam a vida das pessoas. Teme-se que com o agravar das alterações climáticas possa acontecer um incremento substancial nesta situação de movimento.

O fenómeno das migrações tem sido constante na história. Os humanos modernos apareceram há 200 mil anos, em África; mas quando é que a espécie se espalhou pelo mundo? O debate não é consensual. Alguns cientistas defendem que houve apenas uma grande migração, há cerca de 40-80 mil anos, a partir da qual os humanos se dispersaram pela Terra. Outros afirmam que o movimento aconteceu por fases: a primeira, há cerca de 90 mil anos, levou o Homem à península Arábica. Depois, há 50 mil anos, à Indonésia e à Austrália, e logo a seguir para a Europa. O norte da Ásia e o continente americano terão sido povoados há cerca de 20 mil anos, numa última onda de migração. A controvérsia baseia-se nos fósseis encontrados em vários locais do mundo, que apontam para datas muito distintas.

Outras migrações significativas, melhor identificadas e conhecidas, merecem destaque, tais como:

  • Há 6 mil anos – transição do Neolítico, com a espécie humana a fixar-se depois de inventada a agricultura.
  • Há 2 mil e 500 anos – migração dos Celtas e de tribos germânicas devido a mudanças climáticas.
  • Entre 1440 e 1850 – a expansão marítima europeia levou à emigração de cidadãos para os outros continentes. Foi o primeiro grande movimento migratório para fora da Europa, em busca de riqueza e melhores condições de vida. Envolveu também a deslocação e comércio de escravos no Atlântico, em que Portugal foi protagonista destacado.
  • Século XIX – migração para os Estados Unidos da América. Só entre 1840 e 1914, cerca de 40 milhões de pessoas deixaram a Europa rumando à América do Norte para escapar à morte pela fome. Constituiu uma das migrações mais significativas na história da humanidade.
  • Após 1918 – grande fluxo migratório para fora da Europa depois da Primeira Guerra Mundial, devido a expulsão maciça de populações, perseguições ideológicas, étnicas e políticas.
  • Em 1930 – início da migração judaica para escapar ao Holocausto.
  • Em 1960 – migração, devido às alterações climáticas, na região africana do Sahel (desertificação).
  • Em 1994 – migração no Ruanda motivada por conflitos étnicos.
  • Em 2005 – migração no Zimbabué, causada por Urbanismo e destruições de favelas.
  • Em 2012 – migração de trabalhadores do Nepal e Filipinas para o Qatar.
  • Em 2013 – migração nas Filipinas devido a desastres naturais provocados pela tempestade Haiyan.
  • Em 2022 – migração de Ucranianos para outros países europeus, devido á invasão da Federação Russa.

Os fluxos migratórios em direcção à Europa existem desde a conquista árabe da Península Ibérica em 711. Exceptuando esse período, só após a Segunda Guerra Mundial, com o crescimento económico, a Europa deixou de ser um continente de emigração e passou a ser o destino de milhares de imigrantes.

Podemos dividir a imigração europeia em três períodos distintos. O primeiro, entre os anos 50 e 70, ocorreu após a descolonização dos territórios africanos por parte dos países europeus, com centenas de milhares de imigrantes a deslocarem-se em direcção aos países ex-colonizadores respectivos.

O segundo período começou com a crise petrolífera de 1979 e terminou com a queda do muro de Berlim, dez anos depois. Os governos restringiram muito a migração e a principal via de entrada dos imigrantes tornou-se o reagrupamento familiar. Mesmo assim, ocorreu um fluxo migratório assinalável, de países da Europa de Leste em direcção ao Ocidente europeu.

O terceiro período inicia-se com a queda do muro de Berlim e vai até à actualidade. No entanto em 2014 o panorama migratório alterou-se substancialmente em resultado da instabilidade política, com guerras no norte de África e países do Médio Oriente. O número de pessoas que chegaram ás fronteiras europeias em 2015 ultrapassou um milhão, sendo a maior deslocação em massa desde a Segunda Guerra Mundial. Desde então, esse número tem vindo a decrescer, rondando os 97 mil em 2020 e menos de 75 mil no ano de 2021.

Esta resenha histórica apresenta o lado macro das migrações, com as suas vantagens para o desenvolvimento da humanidade em geral e da economia em particular. Falta todavia concretizar a apreciação micro, aquela que é mais difícil de realizar pois diz respeito à vivência de cada pessoa envolvida, de cada família, de cada grupo de amigos. E a regra para milhões de migrantes actuais em busca de melhores condições de vida, com evidentes excepções, é serem vítimas de redes mafiosas de tráfico humano, que os transportam de forma arriscada e tantas vezes lhes provocam a morte. Quando conseguem escapar, ou são expulsos, ou colocados em campos (de concentração) de refugiados, ou frequentemente integram redes de exploração de trabalho escravo.

Será portanto legítimo questionar sobre a quem realmente aproveita o recente fenómeno migratório, especialmente aquele que atravessa o mediterrâneo em direcção à Europa. Tal como nos tempos idos da expansão europeia, a escravatura contribuiu e muito para a prosperidade de alguns. Hoje criou-se uma escravatura diferente em que cidadãos são forçados a migrar e a submeter-se a condições infra humanas para sobreviver. O crescimento económico beneficia disso? Talvez. E essas pessoas?

Nota: este artigo foi escrito seguindo as regras do Antigo Acordo Ortográfico
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