Michael Haneke

Foi já depois da necessidade (um tanto infantil) em definir e insistir ter um filme, um actor, uma actriz, um clube de futebol, um realizador, um prato, um país, uma cidade… favoritos, que Michael Haneke veio ocupar esse lugar (de realizador), quando há muito eu deixara de me preocupar em criar hierarquias e listas na minha cabeça para simplesmente desfrutar das experiências da vida, em particular do trabalho dos realizadores e dos intérpretes no que ao Cinema concerne.

‘O Laço Branco’ e o poder do preto-e-branco

Depois de O Laço Branco ter ganho a Palma de Ouro em 2009, canalizei a atenção para a micro-janela temporal na qual eu antevia a sua permanência em cartaz. Não me recordo em que sala o vi mas sei que saí de lá sem saber muito bem o que pensar. Os dias seguintes assentaram as impressões e desenharam os sentimentos que o filme deixou. Um conjunto de estranhos acontecimentos com requintes de malvadez assolam uma aldeia, com a I Grande Guerra a pairar no horizonte. Sem fechar o círculo, tudo aponta para as crianças, sementes do mal plantadas pela dureza de uma educação e religião ancoradas no temor. As sementes que vinte anos mais tarde floresceriam na eclosão de uma outra guerra (segundo o próprio Haneke, também autor do argumento).

Nesse ano eu torcia pelo óscar de Melhor Filme Estrangeiro mas o prémio acabou na Argentina, numa obra oposta (em certa medida), mas igualmente capaz de jogar com os sentimentos do espectador como poucas: O Segredo dos Seus Olhos. E é precisamente esta capacidade de nos manipular que me parece o ponto onde Haneke é exímio.

A tensão constante de ‘Brincadeiras Perigosas’

Michael Haneke nasceu em Munique em 1942. Filho de pai alemão e mãe austríaca, adoptou a nacionalidade austríaca, país onde cresceu e se formou. É um dos grandes nomes do cinema europeu, mais concretamente do Cinema de Autor, se bem que no caso de Haneke, o que assusta nos seus filmes não é tanto a forma (são obras que se vêem bem), mas o modo nos mostra o mal a invadir o quotidiano, surja ele de um jeito fortuito, intencional ou natural.

Parti depois, nos idos tempos do torrent, quando sacar filmes constituía a forma de aceder a obras de qualidade sem pactuar com a ladroagem dos DVDs ou dos BlueRays, para outras obras de Haneke: A Pianista, filme de 2001, vencedor do Grande Prémio do Júri em Cannes, baseado na obra de Elfriede Jelinek, Prémio Nobel da Literatura em 2004, que conta a história da relação entre um jovem e uma professora de piano masoquista e sexualmente frustrada, com enormes interpretações de Isabelle Huppert e Anne Girardot; em Nada a Esconder (2005), Juliette Binoche e Daniel Auteill formam um casal que misteriosamente começa a receber no alpendre de sua casa cassetes de vídeo contendo filmagens da sua rotina de casal; A pesquisa ao passado terminou com um filme que muito me surpreendeu, a começar pela abertura: Brincadeiras Perigosas, de 1997. Uma família, em férias à beira de  um lago, recebe a visita de dois jovens que “precisam de ovos”. Está dado o mote para um fim de semana de terror onde o modo como Haneke joga connosco é sublime. Não vi a versão americana (Jogos Perigosos), do mesmo realizador, mas pela crítica, não me parece que tal vá acontecer.

Por fim, em 2012, no Lisbon & Estoril Film Festival estreou Amor, um maravilhoso e impressionante tratado sobre o amor e a velhice. Depois do filme, que vi no Monumental com o Vitro e a Marta, fomos jantar a uma tasca ali perto do Saldanha e recordo-me de termos os três saído com a sensação de ter levado um murro no estômago. “Decadente” e “A maior prova de amor” são os termos que se aguentaram até hoje das impressões que então trocámos. O filme limpou finalmente o óscar, repetiu Haneke em Cannes com a segunda Palma de Ouro e ressuscitou Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant.

‘Amor’

Estes cinco filmes são tudo aquilo que vi de Michael Haneke, mas se há director em quem posso reconhecer o trabalho de mestria e perfeccionismo, é ele. Não vir tamanho cuidado com a forma desprovido de conteúdo, mas, pelo contrário, estando ao serviço deste, eleva-o até ao palco dos melhores (pelo menos da actualidade).

De todos, Amor foi o filme que mais me tocou e que creio ser merecedor de uma divulgação maior do que aquela que teve na altura (apesar de nem ter sido dos mais esquecidos): é um exemplo quase perfeito de como uma boa história pode ser construída com o poder da imagem e o silêncio das palavras por dizer.

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