
Quero desde já ressalvar que não sou critica de arte, o meu conhecimento de história de arte é basal, mas senti que fazia sentido terminar o ano, este ano tão tumultuoso no geral e caótico no panorama artístico, com este artigo. Não me vou demorar em lamentos, mas, sim, destacar o trabalho de dois artistas que tiveram um impacto em mim e partilhar convosco, talvez faça algum sentido para vocês.

Ao longo deste ano muitos de nós, que trabalhavam directa ou indirectamente no campo das artes, assistimos a um período ainda mais duro que o habitual. Os artistas freelancer, já habituados a ter de se reinventar, foram encostados à parede: os músicos, bailarinos e os actores ficaram sem palco, os artistas plásticos sem exposições, os cineastas sem salas. O público passou para a plataforma online – sem entradas, sem apoios, sem receitas, sem aplausos. Como espectadora online e amiga de uns quantos artistas, sei bem o quão difícil está a ser este ano.
Os trabalhos destes dois artistas acompanharam-me numa demanda pessoal. Vou apresentá-los e quero justificar a escolha destes dois – existem muitos mais, mas não é meu intuito prolongar-me.
O misticismo na arte – Memento Mori
Micaela Morgado
Micaela Morgado, também conhecia por Miky é ilustradora, tatuadora, uma artista plástica em ascensão. Nascida em 1995 (shit, i’m getting old AF), natural de Santarém, terminou o curso de Artes Plásticas em 2018 na Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha. O seu trabalho artístico expande-se por variadas vertentes, entre eles a pintura, ilustração, gravura, desenho, tatuagem e a colagem. Tem-se envolvido em exposições individuais e colectivas, das quais se destacam a sua participação no Festival FOLIO, em Óbidos, a exposição Em Folha! realizada no Centro Cultural de Cascais, participação na Bienal de Arte Jovem de Vila Verde e na exposição internacional Herbarium I em Atenas.


Conheci o trabalho da Miky ainda enquanto estudante, e o trabalho dela chamou-me a atenção – ratos, caveiras, cobras, traças, mulheres, seres antropozoomorficos ou híbridos, símbolos mitológicos, combinados de forma desconcertante e poderosa. Uma miúda muito discreta que luta em todas as frentes como artista freelancer. Deixou a sua marca nas Caldas da Rainha e vai deixar no Porto, onde reside. Podem encontrá-la pessoalmente no Espaço Birra ou podem espreitar o trabalho dela no Facebook, Instagram ou no seu site.
Ivo Alexandre
Sob o signo da Liberdade nasce Ivo Alexandre em Lisboa, 1974. Estudou Pintura na Sociedade Nacional de Belas Artes, dedicando-se às Artes Plásticas em geral. Durante vários anos construiu um vasto curriculum como aderecista, cenógrafo, técnico de efeitos especiais e visuais em inúmeras séries, novelas e variados programas de entretenimento em televisão. Trabalhou para teatro, cinema e publicidade, contando já com um dos seus trabalhos premiado na Bienal de Veneza, com o filme Quem és Tu?… do realizador João Botelho. A sua paixão sempre foi a pintura, área que se dedica em exclusivo desde 2014.


É necessária muita audácia para se decidir viver exclusivamente da pintura, sobretudo quando se conhece bastante bem o meio. Após ter passado por várias áreas das artes plásticas sentiu, a certa altura, a necessidade de se virar para dentro, mostrando-se em bruto na tela – desistiu da estabilidade por amor à pintura.
A primeira vez que tive contacto com o trabalho do Ivo não o compreendi, mas senti um impacto. Talvez fosse isso que me levou a tentar descodificar os símbolos e a encontrar a beleza neles. Já observei o trabalho dele inúmeras vezes e capto sempre algo novo, um lado sombra necessária para ver a luz. Com uma imensa versatilidade, já apresentou o seu trabalho em Espanha, França, Brasil e em inúmeras ocasiões em Portugal. Pode-se julgar que um artista lançado não encontra mais desafios, mas a vida artística é, por si só, um desafio. Em 2020 Ivo não expôs, contudo iniciou uma nova colecção que mudou um pouco o paradigma da temática – o misticismo continua lá, basta olhar com atenção. É ver para crer – espiam o trabalho do Ivo no Facebook e no seu site.

Escolhi o trabalho destes dois artistas pois foram os que me marcaram mais este ano. A Miky por estar em início de carreira e o Ivo pela sua enorme adaptabilidade de estilos e técnicas. Ambos trabalham a mesma temática, ambos freelancers, ambos na luta. Ninguém me paga para escrever nem sobre eles nem sobre nada, faço-o porque já vou tarde – desejo que tanto o trabalho deles como o trabalho de qualquer artista seja reconhecido pelo seu valor e que os artistas possam ter o reconhecimento devido quando o devem ter. Memento Mori – lembra-te que és mortal. Eles também o são.